ENFRENTAI-O

Adventismo Místico – Alfa e Ômega | Compilado por Daniel Silveira
Janeiro de 1900, e o mundo estava comparativamente em paz e repleto de esperanças. Mas, na Igreja Adventista, achava-se em formação uma heresia letal, em que Kellogg e alguns dos mais brilhantes e carismáticos líderes da denominação procuravam revestir doutrinas fundamentais com um manto de misticismo. Ellen White denominou a apostasia de alfa, e advertiu que no futuro viria uma apostasia ainda maior – o ômega.

Este livro evoca o passado em dramáticos paralelos para a igreja contemporânea.

 

Prólogo

Mark Hanna era um homem vigoroso, calvo mas simpático, com uma estreita franja de cabelo a emoldurar-lhe a face, e que, quando falava, estava acostumado a ver resultados. Há pouco tempo, por exemplo, ele sozinho quase havia colocado o William McKinley na presidência americana. Começara agora um novo século. O ano de 1900 rompeu tão brilhante como um novo dólar, e pelo que o senador Hanna podia visualizar, o futuro rumava diretamente para as estrelas. “As fornalhas estão incandescentes” exclamava. “Os fusos estão entoando sua canção. A felicidade chega a todos nós com a prosperidade!”

O recém apontado senador de Ohio não estava só naquela opinião. Em 1º de janeiro de 1900, o futuro parecia tão cheio de promessas como manhã da primavera. Por uma vez o mundo estava amplamente em paz. A China, com suas centenas de milhões, ainda estava aberta para viagens, e para o evangelho. Dentro da imensa massa de terra que seus filhos e filhas chamavam grande Rússia, havia ainda um pouco de tempo. Admitimos que a ampulheta estava perdendo areia rapidamente; grandes problemas deveriam logo conclamar a grandes mudanças. Porém restavam ainda quase duas décadas antes que o estampido do fogo de artilharia fora do palácio de inverno do Czar mudasse para sempre o curso da história – e as oportunidades para a obra de Deus. Mudanças enormes pairavam precisamente além do amanhã, como a distante cor cinza do curso de um vendaval que anuncia a primeira aproximação de uma inevitável tempestade; no dia de ano novo de 1900, porém, poucas pessoas podiam ver qualquer coisa a não ser a luz do sol.

“Se alguém não pôde fazer dinheiro este ano passado, seu caso é sem esperança”, exultava o editor de um jornal, e um clérigo de Nova York dizia inflamado que “as leis estão se tornando mais justas, os dirigentes mais humanos; a música está se tornando mais doce e os livros mais sábios”.

Uma das poucas vozes discordes veio de uma senhora miúda de 72 anos de idade que por acaso estava em New South Wales, Austrália, neste 1º de janeiro. Por vários anos Ellen White estivera falando cada vez mais enfaticamente a respeito de uma grande catástrofe que logo sobrevivia ao mundo, e embora suas observações parecessem geralmente fora do padrão de seu tempo, ela persistia nas mesmas com uma perseverança que atraía a atenção. “Logo haverá morte e destruição, crime cada vez mais dominante, e maldosos e cruéis movimentos contra os ricos que se exaltaram contra os pobres. Os que estiverem sem a proteção de Deus não encontrarão segurança em lugar ou situação alguma. Agentes humanos estão sendo preparados e estão usando seu poder inventivo a fim de pôr em operação a mais poderosa maquinaria para ferir e matar… Que os recursos e os obreiros sejam espalhados”. Estranhas palavras, distintamente destoantes do contexto da época, e muito menos fáceis de se ouvir do que os tranquilizantes pensamentos do reverendo Newell Hillis, que falou à sua congregação em Brooklyn sobre os livros mais sábios e a música mais doce. Mas no primeiro dia do novo século o povo teria feito bem em dar cuidadosa a atenção às advertências de Ellen White, pois ela havia acertado demasiadas vezes no passado para permitir que alguém a ignorasse e continuasse se sentindo realmente confortável.

Ninguém teria a possibilidade de saber disto naquela manhã do novo ano, mas as predições da Sra. White estavam no limiar do comprimento. Naquele mesmo mês Lênin seria liberto da detenção siberiana e correria através da Rússia em direção à segurança da Europa ocidental. A Inglaterra, França e a Rússia, preocupadas com o surgimento da aliança germânica estavam apoiando algo chamado de a tríplice Entente. E em Zürich, um jovem estudante colegial chamado Albert Einstein estava já escrevendo fórmulas estranhas e cogitando a possibilidade de tornar a matéria em energia.

Dia de ano novo, 1900 – em Shangai, navios a vapor britânicos volviam-se preguiçosamente em suas boias sobre o rio Huangpu, aquecendo-se sob o sol devaneador do inverno. Em São Petersburgo a nobreza da Rússia deslizava em trenós brilhantes ao longo das margens do rio Neva e então corriam para casa a fim de se vestirem para a noite. Isto era o apogeu do que a sociedade russa chamava de temporada, uma rodada de noites resplandecentes com brancos vestidos de cetim e uniformes flamejante de condecorações – de festas onde “ninguém pensava ir para casa antes das 3 horas da manhã” e os oficiais permaneciam até que o céu estivesse colorido com as tintas pérola, rosa e prata da alvorada.

Ano Novo… e em Berlim, o marechal Alfredo von Schlieffen já sabe que quando a guerra chegar, ela penetrará através das suaves e planas campinas da Bélgica. Ele sabe, porque os mapas já estão traçados.

E nos escritos da igreja adventista as palavras se desdobram numa final, desesperada proposta por reconhecimento, antes que seja tarde demais: “Agentes humanos estão sendo preparados e estão usando seu poder inventivo a fim de pôr em operação a mais poderosa maquinaria para ferir e matar… Que recursos e obreiros sejam espalhados”.

Para o mundo parece ser manhã, mas na ampulheta da história o pôr do sol está perto, e a luz do sol que aquece o primeiro dia de 1900 é o último áureo momento da oportunidade para se trabalhar em paz, que rapidamente se desvanece com a chegada da noite.

O trabalho de Deus pode ainda ser feito sob a luz do sol, mas o tempo é curto. Agora somente uma pergunta realmente importa: Corresponderá o povo de Deus?

 Eu o Ajudaria se Pudesse

Em 1º de janeiro de 1900, Ellen White acordou cedo e – se seu costume usual prevaleceu – tomou seu banho, vestiu-se, e dirigiu-se prontamente para sua cadeira de escrever. Era um hábito de muitos anos. Os primeiros momentos da manhã eram de muitas maneiras os melhores, livres das distrações das horas ocupadas do dia, e se o fato de ela se levantar cedo era muitas vezes provocado por noite penosas, ela havia aprendido como tirar o melhor da situação. À hora do desjejum ela usualmente já havia escrito por várias horas.

Neste dia sua mente estava opressa com um problema particular, que nos poucos anos passados tinha se tornado uma importante preocupação: Para onde estava o doutor John Kellogg dirigindo a obra médica adventista? Ele era um velho amigo, cujas horas de juventude tinham muitas vezes sido gastas com a família White, e ela gostava de escrever a ele “como uma mãe escreveria para seu filho”. Testemunhos para a Igreja, vol. 8, pág. 190.

Recentemente, porém, coisas perturbadoras haviam ocorrido em Battle Creek, e elas pareciam pressagiar problemas. Uma das coisas era que, contra sua repetida insistência, a cidade havia se tornado uma grande colônia adventista cada vez mais difícil de se controlar. Por anos tinha ela advertido contra os perigos de concentrar recursos de talentos em apenas um local, porém em 1900 as instituições adventistas dominavam a cidade.

Próximo às margens do rio Kalamazoo ficavam os prédios da Review and Herald, onde a direção estava profundamente envolvida na prática de aceitar encomendas para impressão de qualquer freguês que estivesse disposto a pagar. A um quarteirão de distância ficava a igreja adventista chamada de Tabernáculo Dime, que tinha a capacidade de acomodar uma multidão de 3400 pessoas. Aqui, 173 classes da escola sabatina se encontravam aos sábados de manhã, facções lutavam pela posse do controle, e por um breve tempo fundos do dízimo foram verdadeiramente desviados para as despesas de manutenção da igreja.

À distância de um quilômetro e meio podiam-se encontrar os escritórios da Associação Geral, o Colégio de Battle Creek, a florescente fábrica de alimentos saudáveis, um orfanato, e mil crentes adventistas acumulados em uma área tão cheia de negociadores de bens imóveis que espectadores divertidos (e às vezes aborrecidos) a chamavam de “o campo de mineração Adventista”. Milton Hook, Flames Over Battle Creek, 1977, pág. 98.

Tolhendo tudo um estava o desajeitado complexo vitoriano chamado Sanatório de Battle Creek, que se estendia por aproximadamente 320m ao longo da rua Washington e onde mil funcionários estavam, como Ellen White advertia, começando a ver seu chamado como pouco mais do que uma maneira de obter o sustento. Para uma igreja baseada em ministério pessoal este era um perigo que dificilmente poderia ser exagerado. Significava que num sentido operacional, um dos principais componentes da igreja estava morrendo.

Por vários anos os presságios saídos do sanatório de Battle Creek tinham sido perturbadores e, salpicados de insinuações de que a maciça instituição poderia realmente ser perdida do controle denominacional. Kellogg já havia mostrado suas cores. Já em 1895, ele havia estabelecido o colégio médico missionário americano e tinha começado divorciá-lo da igreja. “Esta não é uma escola sectária”, declarara ele, e “doutrinas sectárias” não seriam lá ensinadas. Medical Missionary, outubro de 1895.

Agora o sanatório era a mais poderosa força na igreja, o que significava que se igreja adventista desejasse assegurar o futuro desta ampla instituição, teria que negociar mais cedo ou mais tarde como John Harvey Kellogg.

Kellogg era um homem baixo e enérgico que, num período posterior de sua vida, corria ao redor de Battle Creek de terno branco, polainas curtas e que, diz-se, enquanto dirigia sua bicicleta para o trabalho, frequentemente ditava a correspondência para um ofegante secretário que corria ao lado. Era um personagem complexo e fascinante, com dom natural para medicina e intimidante comando de palavras, um homem que podia chorar enquanto lia a carta de Ellen White para um grupo de adoradores e que podia mais tarde condená-la como uma plagiadora – que seria capaz de fazer qualquer coisa, exceto resistir à tentação de fazer o sanatório de Battle Creek e toda a mensagem de saúde descerem por um caminho misterioso projetado em sua própria mente.

Por anos a Sra. White havia se correspondido com o médico, implorando-lhe que desse um basta aos ambiciosos projetos em Battle Creek e enviasse os fundos excedentes para o campo mundial, particularmente as trabalhosas novas aventuras na Austrália, onde a falta de dinheiro deixou o trabalho desesperadamente enfraquecido. Em resposta ela recebeu declarações de estranhas de que era contra os regulamentos do sanatório enviar dinheiro para fora de Michigan.

Era um argumento habilidoso, superficialmente persuasivo se não fosse compreendido o potencial para manipulação legal em tudo isso. Mas era totalmente evidente para Ellen White, que podia ver com olhos proféticos a cena de escritórios de advocacia onde olhos astutos exploravam documentos, um homenzinho enérgico de terno branco estava calmamente sentado enquanto seus advogados faziam o trabalho, com a cabeça levemente inclinada para trás e os dedos tamborilando gentilmente sobre os braços da cadeira.

“Foram-me apresentados assuntos que encheram minha alma de penetrante angústia” escreveu ela em 1898. “Vi homens se unindo de braços dados com advogados; mas Deus não estava em sua companhia. … Sou autorizada dizer a tais pessoas que não estais agindo sob inspiração do Espírito de Deus”. Ellen White, Special Testimonies, série A, n. 11, pág. 21.

A precisão do tempo de sua declaração é fascinante. Kellogg havia acabado de alterar habilmente a estrutura jurídica do sanatório de forma a permitir que este um dia, por votação, deixasse de pertencer à igreja. Em 1897 se expiraram seus 33 anos de licença pela lei de Michigan e, a corporação tinha de ser dissolvida, suas posses vendidas, e uma nova associação formada. Se desejasse introduzir modificações, esta tinha sido indiscutivelmente a oportunidade áurea, e Kellogg não a havia perdido.

Em 1º de julho de 1898, o advogado S. S. Hurlburt e uma pequena multidão de pessoas interessadas se reuniram no palácio da justiça em Marshall, Michigan, onde as posses do sanatório foram vendidas para o grupo encabeçado por Kellogg. Eles por sua vez formaram uma nova corporação, adotaram no regimento interno, e emitiram apólices. Isso tinha de ser feito para o sanatório poder continuar, e a Associação Geral havia confirmado os passos legais. Superficialmente parecia que nada havia sido feito além de formalidades, mas os que tiveram o cuidado de ler os novos regimentos internos viram o potencial para nefastas mudanças.

A posse de ações, uma vez limitada aos adventistas, era aberta para qualquer um que estivesse disposto a assinar um documento garantindo que o sanatório era “não denominacional, não sectário, humanitário e filantrópico”. Para aqueles que protestavam contra esta linguagem tão radical, Kellogg tinha já uma pronta resposta: Era uma mera formalidade, dizia ele, de forma que a corporação pudesse desfrutar da “vantagem dos estatutos do estado”. Medical Missionary Conference Bulletin, maio de 1899.

Em 1906 as mandíbulas da armadilha já eram demasiado evidentes. Próximo à sua ruptura com a igreja, o médico declararia que o alvará de funcionamento proibia quaisquer atividades de caráter sectarista ou denominacional, e contaria abruptamente à igreja o que havia acontecido com o grande sonho dela às margens do rio Kalamazoo: “A denominação não possuía a propriedade, e jamais poderá possuí-la, pois ela pertence ao público“. Medical Missionary, fevereiro de 1906 (grifo acrescentado).

E agora, mais recentemente, o Dr. Kellogg estava propondo uma nova ideia, de alcance mais longo do que qualquer coisa que já houvesse planejado. Para dizer de maneira simples, era a proposição de que todo sanatório afiliado à igreja na América, onde quer que estivesse localizado, fosse completamente vinculado ao controle de Battle Creek. “A fim de ligar nossos diferentes sanatórios, a junta médica missionária formou este plano”, logo anunciaria ele, “que em vez de criar uma corporação inteiramente independente, onde quer que seja organizado um sanatório… serão estabelecidas associações auxiliares” que deveriam estar “inseparavelmente conectadas” com Battle Creek. General Conference Bulletin, 18 de abril de 1901, págs. 316, 317.

Esta era uma ideia à qual se oporiam vigorosamente Ellen White e os líderes da igreja, mas nos meses seguintes vozes leais a Kellogg exaltariam este conceito num coro crescente de apoio, pois o sanatório estava começando atrair pessoas não satisfeitas com a igreja. Muitos deles eram homens dotados, diplomados em teologia ou medicina. Alguns tinham viajado e pregado com Ellen White. Pelo menos um deles era compositor, e seus hinos haviam outrora capturado o espírito da mensagem do advento.

Alguns desses líderes – financiados, segundo se comentava, pelo rico fluxo de dinheiro do sanatório – começariam a compor um livro denunciando a Sra. White como impostora. Figuras preeminentes falariam com crescente ousadia, a respeito de uma grande transformação na igreja, de alguma nova forma de estrutura, de novos objetivos e uma missão inteiramente nova.

Entrementes, pouco a pouco por sob a superfície, protegidos pela fortuna de Battle Creek e pela capacidade de persuasão de John Kellogg, os dissidentes avançariam em direção a alvos ainda cuidadosamente ocultos de todos exceto dos olhos de uma mulher de 72 anos de idade na Austrália que viu, enquanto dormia, estranhas reuniões e conferências durante a noite, e um homem vestido de branco com poder de persuasão inexplicável em termos humanos.

Esse é o problema que sobrecarrega a mente de Ellen White enquanto o sol nascente do novo ano aquece o céu de verão sobre Cooranbong. O grande braço médico da igreja, tão necessário para demolir preconceitos e abrir portas para a mensagem do advento, está sendo inexoravelmente separado do corpo principal das ideias adventistas. A Sra. White toma uma folha de papel em branco, ergue sua pena, e as palavras começam a fluir para o presidente da Associação Geral, George Irwin: “Prezado irmão Irwin:… Salve o Dr. Kellogg dele mesmo. Ele não está atendendo ao conselho que deveria atender”. Ellen G. White, Carta 3, 1900.

Mil e novecentos – as oportunidades para terminar a obra de Deus nunca foram tão brilhantes. Por uma vez o mundo está quase inteiramente em paz.

Do Maine a Manila, de Paris a Canton, pode-se ir a quase qualquer parte com o evangelho, sem nem mesmo um passaporte. Sentindo fome pela mensagem de saúde sobre a qual a maioria delas nunca ouviu, as pessoas buscam exercícios ao ar livre e transformam suas necessidades insatisfeitas em uma mania louca por ciclismo. Os poucos afortunados que podem viajar a Battle Creek, chegam aos milhares, inconscientes das lutas que se agitam sob a superfície, impressionados até mesmo com uma visão parcial da verdade.

Anjos laboriosos já fizeram tudo que o céu pode fazer para preparar o mundo para mensagem do advento. A grande mensagem de 1888 foi oferecida. Na América a legislação dominical a nível nacional foi introduzida, amplamente debatida, erguida como um sinal de advertência a fim de despertar os crentes negligentes para uma nova vida e saída das cidades. É inconcebível que tal oportunidade possa ser perdida, e contudo, é isto que está ocorrendo.

O sanatório de Battle Creek está em vias de desligar-se da igreja, com seus fundos desviados, sua estrutura legal manipulada. Na Review and Herald, material mundano está sendo aceito para ser impresso. O conteúdo é tal que a Sra. White teme que mesmos os homens que o leiam casualmente ao compor os tipos estarão em perigo. A teologia básica da igreja está começando a ser desafiada por noções místicas sobre a natureza de Deus –ideias que, adverte ela, ameaçarão verdades básicas como a do santuário celestial.

No desespero de proteger a igreja do perigo, porém mal sabendo como fazê-lo, ela adverte os pais adventistas a manterem seus filhos longe de Battle Creek, onde eles podem ser “influenciados pelas insinuações… introduzidas para enfraquecer a confiança em nossos ministros e na mensagem”. Special Testimonies, série B, n. 6, pág. 3.

Os últimos momentos da luz do dia estão escapando ao povo de Deus enquanto eles compram e vendem bens imóveis e ampliam as dependências do sanatório de Battle Creek, e fazem planos e mais planos…

Logo uma carta, dirigida por Ellen White poucos dias antes do natal, chegará à escrivaninha do Dr. Kellogg. “Eu lhe escrevo como uma mãe escreveria seu filho. E o ajudaria se pudesse… Se fosse possível iria vê-lo… Se acolher as mensagens de advertências que lhe foram enviadas, ser-lhe-á poupada grande tribulação”. Testemunhos para a Igreja, vol. 8, pág. 190.

Tudo está preparado. Como Israel no Sinai, o povo de Deus está agora somente poucas semanas de viagem da terra prometida.

É tempo para mensagem do advento ir como fogo em campo de feno.

É o tempo do contra-ataque do diabo.

É o tempo de uma apostasia chamada alfa.

Recebemos as Tristes Novas

18 de fevereiro de 1902 – nas frias horas antes da alvorada o gongo de alarme soou dentro das arcadas de tijolos e pedras da sede do corpo de bombeiros de Battle Creek. Luzes faiscavam; os homens estavam atrapalhados com os botões de bronze de seus grosseiros jaquetões enquanto no andar térreo os arreios eram colocados sobre os cavalos. O condutor com um impulso subiu ao banco do carro de bombeiros, tomou as rédeas, e a grande máquina começou a se mover estrepitosamente sobre a rua pavimentada de tijolos, quebrando o silêncio de uma escura manhã de inverno. Era terça-feira, e o sanatório de Battle Creek estava sendo completamente destruído pelo fogo.

No terreno ao redor os funcionários do turno da noite conseguiram colocar quatrocentos pacientes a salvo, enquanto o prédio principal se tornava uma coluna de chamas. Um bombeiro mais tarde declararia quão inúteis pareciam ser seus esforços; a água despejada sobre as chamas parecia aumentar sua fúria. Já de madrugada a maior parte do grande complexo havia sido destruída, reduzida a ruínas fumegantes sobre o céu hibernal.

O Dr. Kellogg, retornando da costa do Pacífico, soube da tragédia por um repórter na estação ferroviária de Chicago. Ele imediatamente entrou em ação. Após tomar o trem para Battle Creek, Kellogg fez seu secretário procurar uma mesa, e gastou resto da viagem traçando planos para um novo edifício.

“Hoje recebemos as tristes novas do incêndio do sanatório de Battle Creek”, escreveu Ellen White dois dias mais tarde, porém não expressando surpresas. Por muitas semanas ela havia se preocupado com os eventos em Battle Creek, suas noites se haviam tornado “muito agitadas” por um pressentimento de um problema que se aproximava, e agora lhe faltavam palavras. “Eu deveria nesta ocasião falar palavras de sabedoria, mas que posso dizer? Estamos aflitos com aqueles cujos interesses da vida estão ligados a esta instituição. … Podemos de fato chorar com aqueles que choram”. Special Testimonies, série B, n. 6, pág. 5.

Entretanto, ela possuía algumas recomendações para oferecer que a colocavam em rota de colisão direta com o Dr. Kellogg: sob nenhuma circunstância reconstruir em Battle Creek. Em vez disso, construir várias instituições menores. “Uma solene responsabilidade repousa sobre aqueles que se tem encarregado do sanatório de Battle Creek. Edificarão eles em Battle Creek uma instituição gigantesca, ou executarão o propósito de Deus fazendo estabelecimentos em muitos lugares?”. Idem, pág. 9

Era uma pergunta que receberia resposta muito em breve. Em 17 de março de 1902, um grande grupo de líderes da igreja se reúne em Battle Creek para planejar o que fazer em seguida. Kellogg estava lá, radiante de entusiasmo, pintando quadros verbais de um novo e magnificente prédio, e, embora as advertências de Ellen White houvessem sido dadas a menos de um mês, foi delineado um plano que alguns dos irmãos podem ter visto como uma espécie de ajuste. Em vez de reconstruir os dois edifícios principais, somente um seria erigido, limitado a cinco andares de altura e 150m de comprimento. Somente mais tarde, examinando as bases do alicerce, eles descobriram quão liberalmente Kellogg pretendia interpretar suas restrições.

Essa descoberta, entretanto, pertencia ao futuro; e nesse ínterim um plano tinha de ser traçado para angariar fundos para a construção. A. G. Daniells, presidente da Associação Geral, fez lembrar que Ellen White havia recentemente dedicado seu livro Parábolas de Jesus com o propósito de angariar fundos para escolas adventistas. Isso foi um sucesso, e Daniells conjecturou sobre a possibilidade de Kellogg, um conferencista sobre temas de saúde nacionalmente famoso, escrever um livro de medicina popular a fim de levantar os fundos necessários para reconstruir o sanatório.

Kellogg aceitou a tarefa com gosto. Ele era um escritor prolífico que ditava no trem, de sua bicicleta, mesmo da banheira, para um secretário que parece ter desempenhado suas funções razoavelmente bem, a despeito das circunstâncias perturbadoras. Entusiasticamente empreendeu ele a tarefa e completou o manuscrito para o novo livro em tempo recorde; partiu então para prolongadas férias de verão na Europa.

Assim a sorte foi lançada. O sanatório de Battle Creek seria reconstruído apesar dos conselhos de Ellen White, e os irmãos saberiam logo que estavam disputando um jogo no qual as apostas eram altas e as regras misteriosas. Um dia no início do verão, examinando os alicerces, alguém descobriu um fato curioso: eles eram 30m mais longos do que Kellogg havia prometido e agora parecia que várias alas grandes se estenderiam em um semicírculo na parte de trás do edifício.

Em 1904 as palavras de Ellen White resumiam a situação com intensa tristeza: “Quando o Senhor varreu do caminho o grande sanatório de Battle Creek, Ele não tencionava que jamais fosse reconstruído lá outra vez. … Tivesse esse conselho sido atendido, e as pesadas responsabilidades relacionadas com sanatório de Battle Creek não existiriam agora. Estas responsabilidades são um fardo terrível”. Idem, pág. 26.

O “fardo terrível” ao qual ela se referiu era, naturalmente, financeiro. Kellogg estava reconstruindo em grande escala muitíssimo diferente de qualquer coisa que os irmãos tinham imaginado, isto estava começando a ficar dispendioso. O prédio na rua Washington e estava se materializando em uma estrutura maciça da renascença italiana capaz de acomodar mais de mil pacientes – cerca de dez vezes o número sugerido pela Sra. White como ideal.

Havia dois hectares de extensão de piso reluzente, com mármore decorado instalado pelo mesmo hábil artífice italiano que havia supervisionado o suntuoso trabalho em mosaico na livraria do congresso, e parecia que nada seria poupado para fazer o lugar “o mais completo, inteiramente equipado, e perfeito estabelecimento desse estilo no mundo”. The Battle Creek Sanitarium Food Idea, vol. 1, n. 1, 15 de novembro de 1902.

O peso financeiro imposto por tais planos logo cresceu vertiginosamente. Mas a crise real para a igreja, tão terrível que Ellen White francamente duvidava se podia sobreviver a ela, envolvia alguma coisa mais profunda do que dinheiro. Poucos a podiam ver, mas ela já havia chegado. Escondidos no livro do Dr. Kellogg estavam todos elementos de uma incomparável crise doutrinária.

Por vários anos Kellogg estivera fazendo algumas declarações um tanto estranhas sobre a natureza de Deus. “Deus está em mim”, havia dito recentemente numa reunião da Conferência Geral, ” e tudo o que faço é o poder de Deus; cada ato isolado é um ato criativo de Deus”. GC Bulletin, 2d quarter, 1901, pág. 497.

Era uma ideia fascinante, que parecia trazer a divindade muito perto, e rapidamente captou o interesse de alguns bem conhecidos intelectuais da denominação. Havia um encanto peculiar na sugestão de Kellogg de que o ar que respiramos é o agente através do qual Deus envia o seu Espírito Santo fisicamente em nossas vidas, que a luz do sol é Seu “Shekinah” visível. E mesmo as mentes bem treinadas respondiam ao novo conceito contagiando-se com o entusiasmo evangelístico de Kellogg.

Agora estes sentimentos estavam aparecendo ainda mais persuasivamente nas páginas do novo livro que ele havia escolhido intitular The Living Temple. No corpo humano, declarava ele, estava “o poder que constrói, que cria – é o próprio Deus, a divina presença no templo”. J. H. Kellogg, The Living Temple, pág. 52.

Poucos imaginavam que isto poderia desviar a pessoa totalmente do cristianismo, levando-a um domínio de misticismo religioso que não dava lugar ao Ser Divino ou a um local chamado céu. Um homem que viu o perigo foi William Spicer, um missionário que havia recentemente voltado da Índia, agora administrador da Associação Geral, que imediatamente reconheceu na nova teologia de Kellogg as mesmas ideias que havia visto no hinduísmo.

Alarmado, Spicer foi a Kellogg para acertar tudo isto com uma palestra pessoal. Os dois homens se assentaram na varanda da desconexa casa com 27 quartos que Kellogg chamava A Residência, e Spicer, para sua surpresa, achou-se “imediatamente no meio de uma discussão em questões das mais controvertidas”.

“Onde está Deus?” Kellogg perguntou.

“Ele está no céu”, Spicer replicou. “Lá a Bíblia descreve o trono de Deus, e todos seres celestiais sob Seu comando”.

Kellogg, com 50 anos de idade e treze anos mais velho que Spicer, num gesto estendeu o braço em direção ao gramado, declarando que Deus estava na grama, nas árvores, nas plantas, em tudo ao redor deles.

“Onde está o céu?” perguntou ele.

“No centro do universo”, Spicer replicou “onde é isso ninguém pode dizer”.

“O céu está onde Deus está, e Deus está em todo lugar”, Kellogg retrucou. Spicer deixou a entrevista aturdido, compreendendo que avistara de relance a pontinha de algo maior do que qualquer um havia imaginado – algo que podia abalar a igreja. “Não havia lugar neste esquema de coisas para anjos irem entre o céu e a terra. … A purificação do santuário… não era alguma coisa num céu distante”. “O santuário a ser purificado” era o coração. W. A. Spicer, How Spirit of Profecy Met a Crisis, pág. 21.

William Spicer tinha encontrado os primeiros ventos da tempestade e ele interpretou seu terrível significado acuradamente. No verão de 1902, quando o mundo se encontrava pronto para a terceira mensagem angélica do evangelho eterno e os últimos momentos de pacífica oportunidade se escoavam, um dos principais pilares da fé adventista havia repentinamente sido desafiado. De uma maneira que ele próprio não entendeu completamente, Kellogg causara dano à própria razão do ser do adventismo. Ele tinha, talvez inconscientemente a princípio, atacado a doutrina do santuário celestial.

No coração da doutrina adventista do sétimo dia permanecia o conceito de que no ano de 1844 um grande evento havia ocorrido no céu. Os adventistas baseavam essa crença sobre sua compreensão das profecias de Daniel 8 e 9 no qual os 2300 anos do tempo profético começaram com o decreto de um rei da Pérsia e terminaram no outono de 1844.

No atribulado outono daquele ano eles haviam revisado aquelas profecias, buscando entender porque Cristo não viera como os pregadores mileritas tinham predito. Suas pesquisas levaram a uma nova compreensão do livro de Daniel e uma teologia nunca dantes entendida no mundo cristão.

Estudo profundo e fervente oração os haviam trazido à conclusão de que em outubro de 1844 Cristo tinha entrado no santíssimo do grande santuário celestial, do qual o antigo tabernáculo judeu fora uma vez modelo. Naquele compartimento, Ele havia começado a fase culminante da redenção da raça humana, ou expiação. No mais sagrado de todos os ambientes possíveis, havia Ele começado a revisar a vida de todos os indivíduos que alguma vez já haviam pleiteado salvação em Seu nome.

Era um pensamento solene, mesmo quando se pensava somente no julgamento dos que já haviam morrido. Mas os adventistas chegaram a ver uma ideia ainda mais desafiadora: Em algum ponto, potencialmente cedo o bastante para confrontar a geração dos que estavam vivos em 1844, a revisão do julgamento de Cristo passaria dos mortos aos ainda vivos.

Quando aquela obra fosse completada, haveria um ato final de importância catastrófica para a raça humana. Cristo deporia o incensário que simbolizava Seu ministério de misericórdia em favor do homem, e proferiria as palavras encontradas em Apocalipse 22:11.”Continue o injusto fazendo injustiça… O justo continue na prática da justiça”.

O tempo de prova para o ser humano, que comumente se julga terminar com a morte, terminaria, para uma geração de seres humanos enquanto eles ainda estavam vivos.

Tudo no adventismo apontava em direção àquele evento, advertia com respeito a ele, implorava ao povo que se preparasse para ele. A mensagem adventista de 1844 era um chamado eletrizante, calculado para abalar a segurança terrestre e preparar pessoas para encontrar o Senhor. E a menos que se estivesse disposto a entregar tudo, sacrificando tudo que o instinto humano supunha importante, era um conceito que deixaria a pessoa enormemente incomodada.

Quase desde o momento de seu surgimento, a doutrina adventista do santuário tinha estado sob ataque. Teólogos e ridicularizavam-na como uma clara tentativa para explicar o fato que Cristo não havia voltado em 1844. Outros, talvez involuntariamente, tinham atacado de maneiras mais sutis. Era um desafio terrível compreender que sua vida logo poderia estar sob a revisão final de Deus.

Os ataques vieram de todas as direções, tão persistentes e intensos que Ellen White finalmente disse que “toda fase de heresia, nos 50 anos passados, tem sido trazido sobre nós, para anuviar nossas mentes com relação aos ensinos da Palavra – especialmente concernentes à ministração de Cristo no santuário celestial e à mensagem do céu para estes últimos dias, como dado pelos anjos do capítulo 14 de Apocalipse”. Ellen G. White, Manuscrito 44, 1905.

Bradara ela: “Não permita Deus que o tagarelar de palavras vindas de lábios humanos diminua a crença de nosso povo na verdade de que há um santuário no céu, e que o modelo deste santuário já foi uma vez construído sobre esta terra” Ellen G. White, Carta 233, 1904.

Um “tagarelar” dos mais altos, como Ellen White o chamou, tinha vindo de um eminente ministro adventista com nome de D. M. Canright, que se havia demorado por anos em questões e dúvidas, e tinha assumido uma doutrina anti-adventista. Ele afinal deixou a igreja completamente, fazendo depois disso sua principal missão na vida o atacar as crenças que dantes possuíra. Em 1889 ele publicou um livro intitulado Seventh-Day Adventism Renounced (Adventismo Renunciado), no qual fez a acusação de que “os adventistas do sétimo dia fazem tudo girar em torno de seu ponto de vista do santuário. … Se eles estão errados sobre isto, sucumbe toda a sua teoria.” D. M. Canright, Seventh-Day Adventism Renounced, pág. 117.

Tendo dito aquilo, ele em seguida procedeu um ataque contra Ellen White, seguido por assaltos ao sábado, a lei, e ao estado dos mortos. Perto do fim de suas 418 páginas, Canright chegou à sua conclusão: “O sistema do adventismo do sétimo dia baseia-se no fundamento de teorias insustentáveis de um velho fazendeiro inculto em seus últimos dias e nas fantasias de uma menina totalmente inculta, ignorante, doente e nervosa” (Idem, pág. 413). Mas o breve dia de sol de Canright tinha terminado, e ele se encontrou com nada e exceto memórias solitárias do que devia ter sido. Em 1919, com a sombra de sua última doença se agravando, ele se ergueria um pouco do crepúsculo no qual estava mergulhado para um último apelo a seu irmão: “Permaneça com a mensagem, Jasper. Eu a deixei e sei que estou morrendo como um homem perdido”. Document File 351, Carta datada de 5 de julho de 1920.

Canright tinha escolhido atacar a verdade do santuário frontalmente, e acusando os adventistas de ter interpretado mal Daniel 8:14 e de o terem erradamente ligado com Levítico 16, o qual descreve o dia judaico da expiação. Cristo tinha ido diretamente ao lugar santíssimo na Sua ascensão, Canright argumentou, e consequentemente a ênfase adventista sobre a purificação do santuário em 1844 estava errada. Era, repetimos, ataque direto às condições básicas da igreja: não era necessário um dom especial para ler seu livro e ver que discordava do adventismo.

Mas o mais recente desafio ao santuário, vindo de John Harvey Kellogg em 1902, era tudo, menos evidente. Conduzia a pessoa através de uma série de passos aparentemente lógicos, cada um deles até certo ponto oculto do próximo, de forma que era possível à pessoa se encontrar completamente fora do adventismo antes de perceber que qualquer coisa estava errada. Para muitas pessoas que almejavam conhecer melhor a Deus, era tranquilizador vê-lo na luz do sol, senti-lo no ar inspirado, e crer que ele estava em cada ato da vida. Contudo, se uma pessoa cuidava em pensar sobre o assunto, tudo isto produzia algumas perguntas que eram difíceis de responder dentro da estrutura do adventismo tradicional – perguntas que o William Spicer tinha já encontrado na varanda de Kellogg.

Se Deus está em todo lugar, e se o céu está onde Deus está, então o céu precisa também estar em todo lugar. Se for assim, onde está o santuário? Kellogg tinha uma resposta, naturalmente: é encontrada no título de seu livro The Living Temple (O Templo Vivo). O santuário de Deus estava no corpo humano – um passo na lógica que agora compelia a pessoa a rejeitar os eventos de 1844 como uma desconexão inadequada para a nova luz. Na melhor das hipóteses, 1844 poderia ser explicado somente como fato da história, uma estação intermediária na estrada do adventismo em direção à maturidade.

Era um erro sutil nem mesmo completamente entendido pelo próprio médico, e, contudo, alguns líderes denominacionais o estavam reconhecendo. E a pergunta que agora estava começando a se espalhar ao redor de Battle Creek era esta: Deveria o novo livro de Kellogg ser impresso? Não é um problema simples. À medida que 1902 se desvanecia, a dispendiosa construção do sanatório estava começando a causar uma completa crise financeira.

Por razões monetárias, o livro de Kellogg precisava urgentemente ser publicado e vendido. E, também, havia muitas pessoas ao redor de Battle Creek que não viam nada de errado com o livro, e que estavam adotando a teologia do doutor com alegria evangélica. Foi em uma atmosfera de tempestade que a Comissão da Associação Geral se reuniu no outono de 1902 para decidir se emitiriam ou não uma ordem de impressão para o gerente da Review and Herald.

A decisão deles não foi considerada fácil pelo relato da comissão de revista que tinha sido apontado para ler o manuscrito e recomendar se seria impresso ou abandonado; a maioria daquele grupo não viu “razão nenhuma porque não possa ser recomendado” (W. A. Spicer, How Spirit of Profecy Met a Crisis, pág. 29). Somente dois dos cinco membros da comissão votaram contra o livro.

E então ocorreu um daqueles eventos extraordinários que mudam para sempre o curso da história, alterando as relações entre homens e instituições. O concílio outonal de 1902 aceitou o relatório da minoria; o livro não deveria ser publicado e a igreja simplesmente confiaria no Senhor para que os fundos para o novo sanatório pudessem ser encontrados.

Por todas as normas e práticas denominacionais, esta deveria ter sido o fim da história. Mas em 1902 o Dr. John Kellogg estava próximo do ponto de onde não era possível retornar. Por vários anos ele havia rejeitado mensagens de Ellen White que atrapalhavam seus planos, frequentemente com a desculpa de que ela havia agido com base em informação falsa, suprimida pelos adversários dele e que os testemunhos dela para ele estavam errados. Agora ele estava se defrontando com um desafio direto da igreja organizada, e tinha de tomar uma decisão. Rapidamente ele agarrou uma alternativa: A Review não aceitava encomendas de impressão de fora? Uma mensagem desceu a rua Washington com destino à Casa Publicadora Central Adventista: Publique 5000 cópias do The Living Temple e lance o débito para J. H. Kellogg.

O pedido foi aceito. Os tipos que foram negados pela não aprovação do livro, estavam agora liberados para uso. A chapas estavam prontas para impressão. Na sala de impressão pilhas de papel estavam prestes a passar pelo prelo a vapor. Em um sossegado vale da Califórnia Ellen White foi para a cama atribulada por um pressentimento que ela compreendia muito bem. “Nas visões da noite, vi um anjo permanecendo com uma espada como que de fogo estendida sobre Battle Creek”. Testemunhos para a Igreja, vol. 8, pág. 97 Para a Review, o tempo podia agora ser medido em horas.  

Uma Espada como de Fogo

Arthur G. Daniells, de 44 anos de idade, presidente da Associação Geral, trabalhou até tarde da noite de 30 de dezembro de 1902. Durante uma pausa de poucos momentos, ele conversou primeiro com o seu jovem assistente administrativo e depois com I. H. Evans, gerente geral da Review and Herald Publishing Company. Era uma noite quente do inverno em Michigan, calma e sem neve, e os dois homens bem podiam estar relaxados e à vontade em sua conversação. A Review, a maior e mais moderna casa publicadora de Michigan, estava indo excepcionalmente bem. O velho ano havia produzido um grande lucro e o novo ano prometia ser tão brilhante quanto o anterior.

Dois quarteirões acima, na rua Washington, o sino do tabernáculo anunciava a reunião de oração, e Daniells provavelmente deu uma olhada em seu relógio para descobrir que eram sete e meia. Se assim foi, esse foi o último ato regular que Daniells realizaria naquela noite. Momentos mais tarde as luzes se apagaram. Do outro lado da rua veio um brilho sombrio e lúgubre que era inconfundível para qualquer um que tivesse visto o fogo do sanatório. O principal prédio da Review and Herald estava em chamas. Quando Daniells e Evans conseguiram chegar à rua, toda a sala de impressão estava em chamas.

Era uma visão violenta, quebrada por explosões periódicas das janelas dos escritórios superaquecidos. Do lado de fora, podia-se ouvir o som da maquinaria caindo, bem como o desmoronamento do segundo andar. Dentro de uma hora a Review and Herald Publishing Company havia se reduzido a uma pilha de carvão e tijolos espalhados, com prensas adventistas quebradas jazendo entre as derretidas chapas de impressão do Living Temple de Kellogg.

Perdido. Dentro de um devastador ano as duas maiores instituições da igreja adventista do sétimo dia tinham desaparecido na fumaça, e o comandante Weeks, do corpo de bombeiros de Battle Creek, resumiu tudo tão bem como nenhum outro poderia ter feito: “Há alguma coisa estranha com os incêndios dos ASD, em que a água despejada age mais como gasolina”. Citado em uma carta de B. P. Fairchild a A. L. White, 4 de dezembro de 1965.

Por semanas uma sinistra lembrança pairou sobre Battle Creek, tornando impossível esquecer o que tinha acontecido. Durante o incêndio uma grande pilha de carvão havia pegado fogo. Ela permaneceu queimando até fevereiro, produzindo uma coluna de fumaça que, silenciosamente, fazia lembrar a advertência de Ellen White: “a menos que haja uma reforma, uma calamidade surpreenderá a Casa Publicadora, e o mundo conhecerá a razão” (Testemunhos para a Igreja, vol. 8, pág. 96). E agora isto havia acontecido, e a mensagem ficou pintada no céu de Michigan por semanas.

“Por muitos anos tenho carregado um pesado fardo por nossas instituições”, a Sra. White escreveu após ter recebido o triste telegrama. “Algumas vezes tenho pensado que não deveria mais assistir a grandes assembleias de nosso povo, pois minhas mensagens parecem deixar pouca impressão nas mentes de nossos irmãos dirigentes após as reuniões terem terminado”. Contou ela pesarosamente como deixava tais reuniões “opressa como um carro carregado de molhos”. Special Testimonies, série B. n. 6, pág. 56.

A mensagem de fumaça sobre Battle Creek traduzia uma questão muito simples: seguiria o povo de Deus, mesmo com sacrifício de seus próprios planos e preferências, as instruções dadas por Sua mensageira?

Esta era uma pergunta à qual John Harvey Kellogg parecia estar muito perto de responder irrevogavelmente. Ele havia sido advertido repetidamente por Ellen White de que suas novas ideias teológicas levariam a ele e a todos que seguiam a um território proibido. A igreja organizada tinha se recusado a imprimir seu manuscrito. Ele havia agido por conta própria, e agora os destroços da Review and Herald Publishing Company jaziam debaixo de uma coluna de fumaça de carvão que manchava o céu hibernal. Por qualquer padrão de julgamento havia aqui numa mensagem para o Dr. Kellogg; porém ele estava para demonstrar o poder de uma escolha que, tendo rejeitado a verdade, agora levava cada vez para mais longe dela. Um dos seus primeiros atos após o incêndio foi levar seu manuscrito para uma publicadora de fora para ser impresso.

Kellogg tinha iniciado um desafio direto aos líderes da igreja, e logo tornou-se claro que o jogo deveria envolver mais de que só a impressão de um livro – deveria, na realidade, envolver o controle da própria Associação Geral.

A igreja adventista do sétimo dia estava organizada como sistema democrático. As igrejas locais elegiam os oficiais por maioria de voto. Periodicamente eles também elegiam membros para reuniões da assembleia da Associação, onde os delegados representavam suas igrejas ao eleger oficiais da associação e uma comissão executiva. Associações locais, por sua vez, enviavam representantes para reuniões de eleitorado onde oficiais da União eram eleitos. E a Associação Geral, periodicamente, abria uma sessão formal, onde o mesmo processo democrático era empregado para eleger a liderança mundial.

Era um sistema exequível, semelhante aos governos democráticos por todo mundo, mas partilhava com estes de uma realidade comum: não era imune a manipulação por parte daqueles que eram experimentados politicamente e altamente organizados. Deste modo um grupo local bem estruturado podia enviar para as reuniões de eleitorado da Associação delegados que de repente não representava realmente o pensamento da igreja como um todo, mas que podiam falar de um ponto de vista particular ou de teologia e tão habilmente que mesmo a direção de uma grande Associação poderia ser significativamente afetada. E há todos os indícios de que em 1903 John Harvey Kellogg estava seguindo este padrão de raciocínio.

Desconcertantes conflitos começaram a se desenvolver em Battle Creek. Facções políticas centralizadas no sanatório, com o tempo passaram a lutar até mesmo pelo controle do tabernáculo Dime de Battle Creek; corriam rumores intensos, velhas amizades se rompiam. O tabernáculo começou a apresentar os sintomas clássicos de uma igreja em problemas.

Entretanto, havia sinais de que Kellogg estava também tentando depor a presidência da Associação Geral. De 1901 a 1903, não havia presidente formal da Associação Geral; em vez disso tudo havia uma assembleia de vinte e cinco homens que escolhiam um “líder”.

Sob circunstâncias ideais este tipo de organização devia ter funcionado bastante bem, mas continha uma deficiência prontamente visível para qualquer pessoa com habilidade política e um pouco de ambição: já não era a sessão da Conferência Geral que escolhia o presidente mundial da igreja e lhe conferia um mandato; ele era apontado por outros vinte e quatro homens. Controlando 13 deles, poder-se-ia colocar no posto qualquer um que se desejasse.

Kellogg não era conhecido por perder tais oportunidades, e 1902 e 1903 provaram não ser a exceção. Ele começou uma campanha intensa para remover A. G. Daniells da presidência da Associação Geral, e embora seu plano finalmente falhasse, o doutor alistou uma liga de homens poderosos e influentes que apoiavam sua teologia e pensavam que as opiniões dele deveriam ser promulgadas na igreja da maneira mais ampla possível.

Eles eram “homens de proeminência”, como Daniells mais tarde os descreveria – ministros, médicos, e educadores que “abertamente tomaram sua posição em favor do livro e de seus ensinamentos”. A. G. Daniells, The Abiding Gift of Prophecy, pág. 336.

E perto da chegada do verão tanto Daniells como Ellen White ficaram chocados ao saber que este grupo de mentes fortes e persuasivas estavam fazendo questão de ir em busca do único recurso que igreja não podia se dar ao luxo de perder – sua juventude.

Para aqueles que se dedicam a grandes mudanças no “status quo”, os jovens têm sido sempre um atraente alvo de oportunidade. Se a mudança não puder ser efetuada na primeira tentativa, há sempre a esperança de atingir a juventude, cuja fascinação por ideias novas e não convencionais podia ser usada com vantagem em produzir uma a “próxima geração” mais complacente. Essa tática estava justamente se tornando evidente na Europa Oriental, onde forças empenhadas em mudanças políticas haviam tentado mudar o sistema e fracassado, havendo então começado um apelo agressivo à juventude; o tempo mostraria quão eficaz seria a sua técnica.

Ellen White estava plenamente ciente do poder que a juventude poderia conferir à igreja; falava entusiasticamente sobre o grande “exército” jovem que levaria o evangelho a “todo o mundo” (Educação, pág. 271). E ela reconheceu imediatamente o problema quando se tornou claro que as forças de Kellogg estavam começando a olhar com interesse para os jovens da igreja.

A primeira insinuação dessa tática foi revelada quando o livro de Kellogg saiu do prelo. O Living Temple foi imediatamente promovido e enviado para Associações locais justamente a tempo das campais de verão, e “esforços vigorosos” foram feitos para envolver a juventude em difundi-lo para venda (Daniells, loc. cit.). O pastor Daniells notou a nova manifestação com grande preocupação. “Vi sementes sendo disseminadas entre centenas de jovens em nossas principais instituições”, declarou. Alguma coisa que ele “firmemente cria que deveria produzir como resultados profundos desgostos a centenas de nossos irmãos.” Idem.

Kellogg estava também usando jovens de uma maneira política. Em novembro de 1903 Ellen White escreveu para o pastor S. n. Haskell, advertindo-o de que os estudantes estavam sendo arrolados em uma campanha para escrever cartas destinadas a produzir pressão política favorável ao sanatório.

“No sanatório em Battle Creek, os estudantes e auxiliares tinham sido encorajados pelo gerente a escrever para seus pais e amigos e falar das coisas maravilhosas que estavam sendo feitas na instituição”, ela disse – coisas que lhe haviam sido reveladas como estando muito longe de ser maravilhosas. Carta de Ellen G. White a S. n. Haskell, 28 de novembro de 1903.

Ela constantemente se preocupava com os jovens estudantes do sanatório, que estavam ouvindo a nova teologia dos professores a quem respeitavam, e os perigos eram tão grandes que ela abertamente advertia os pais a manterem seus filhos longe de Battle Creek.

Ainda em 1901, em resposta a sua preocupação, o colégio havia sido fechado e a escola mudada para uma nova região em Berrien Springs, deixando em Battle Creek somente as classes relacionadas com a medicina, que eram dadas no sanatório. Entretanto, o alvará de funcionamento do colégio de Battle Creek não havia expirado, deixando a possibilidade teórica de reabrir o campus em qualquer tempo que alguém assim quisesse fazer, e agora, ao se acalorar a batalha, Kellogg apoderou-se dessa prática como meio de atingir jovens da igreja.

Brochuras atrativas foram impressas anunciando a reabertura do colégio de Battle Creek “uma necessidade”, afirmava ele, para se obter a aprovação de detalhes técnicos relacionados à escola de medicina. A equipe de recrutadores entrou em campo. Planos grandiosos para a nova instituição foram expostos e aos jovens se falou “das grandes vantagens do preparo neste colégio de Battle Creek, agora reaberto”. Daniells, op. cit., pág. 34.

Era um desafio que fez com que Ellen White se pusesse de pé em alarme: “Como nós poderíamos consentir em ter a flor de nossa juventude chamada para Battle Creek a fim de receber sua educação, quando Deus tem dado advertência após advertência de que eles não devem ir para lá”, exclamou ela. Alguns dos instrutores “não entendem o real fundamento da nossa fé. …Não permita Deus que uma palavra sequer de encorajamento seja proferida para chamar nossos jovens ao lugar onde eles serão corrompidos por representações falsas e calúnias concernentes aos Testemunhos, e à obra e caráter dos ministros de Deus”. Special Testimonies, série B, n. 2, página 21, 22.

Havia uma crescente possibilidade de que eles fossem expostos também a outro perigo. No início da história do adventismo, o afastamento da doutrina básica havia sido acompanhado por estranhos padrões de comportamento, e agora problemas semelhantes pareciam estar surgindo. “Havia ideias confusas de amor livre”, o pastor L. H. Christian recordaria mais tarde, “práticas imorais por alguns daqueles que apresentavam a doutrina de um Deus impessoal difundido através da natureza”, e a doutrina da carne santa. Os detalhes daquele capítulo de vergonha não devem agora ser contados, mas aqueles que conheceram os fatos compreenderam a verdade destas palavras:

“Teorias panteístas não são apoiadas pela palavra de Deus. … As trevas são seu elemento, a sensualidade sua esfera. Elas gratificam o coração natural, e dão margem à inclinação.” Review and Herald, 21 de janeiro de 1904, pág. 9. L. H. Christian, Fruitage Spiritual Gifts, págs. 291, 292.

Aqueles que aceitaram as ideias de Kellogg pareciam adotar um modo de evangelismo agressivo que, se contrariado, poderia rapidamente se tornar em hostilidade. Uma noite o pastor Daniells estava voltando para casa de uma reunião de concílio outonal da Comissão da Associação Geral. Era outubro de 1903; o assunto do livro de Kellogg (agora impresso, contra a recomendação denominacional) tinha se tornado uma controvérsia intensa e agitada na igreja.

Daniells parou debaixo de uma brilhante lâmpada na rua, para falar por uns poucos minutos com um obreiro que cria nas opiniões de Kellogg e que estava fazendo “tudo ao seu alcance” para difundir o livro. Os dois homens conversaram por algum tempo, não hesitando em tentar converter um ao outro, quando de repente o obreiro tornou-se áspero. “Você está cometendo maior erro de sua vida”, ele vociferou. “Após todo este tumulto, algum dia desses você despertará para encontrar a si mesmo reduzido a pó, e um outro estará liderando a causa.”

“Realmente não creio na sua profecia”, Daniells replicou, e deixou escapar um comentário posterior, na linguagem de um homem que parece ter vislumbrado por um instante alguma coisa maior do que a sua própria carreira. “De qualquer forma, eu preferia ser reduzido a pó fazendo o que em minha alma creio estar certo, a andar com príncipes, fazendo o que minha consciência me diz estar errado.”

Então ele se voltou em direção à porta da frente de sua casa para salvar o que podia de descanso daquela atribulada noite, meditando, sem dúvida, sobre as estranhas mudanças de comportamento que acompanhavam a incursão de seus amigos nesta nova teologia. Daniells, op. cit., págs. 336-337.

Se alguém parasse para pensar sobre ele, aquele era um dos maiores perigos que a igreja agora enfrentava. Em última análise, a mensagem do adventismo tinha sempre incluído o aspecto de comportamento. Temei a Deus e dai-lhe glória. Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Bem-aventurados aqueles que obedecem aos Seus mandamentos. Àquele que vencer. Àquele que vencer…

Nada havia de cômodo na mensagem adventista para alguém que se interessava em aceitar o cristianismo apenas em parte. “Os que estiverem vivendo sobre a terra quando a intercessão de Cristo cessar no santuário celeste, deverão, sem mediador, estar de pé na presença do Deus Santo. Suas vestes devem estar imaculadas, o caráter liberto do pecado, pelo sangue da aspersão. Mediante a graça de Deus e seu próprio esforço diligente, devem eles ser vencedores na batalha contra o mal. Enquanto o juízo de investigação prosseguir no céu, enquanto os pecados dos crentes arrependidos estão sendo removidos do santuário, deve haver uma obra especial de purificação, ou de afastamento de pecado, entre o povo de Deus na Terra.” O Grande Conflito, pág. 424.

O adventismo tinha levado as pessoas mais longe do que jamais haviam ido antes, ao próprio âmago do céu, um compartimento onde uma luz ofuscante pairava sobre um lugar chamado o propiciatório, e onde também se tornava a descobrir uma constante eterna chamada a lei de Deus. Aqui o ato final no plano da salvação estava agora em andamento; deste lugar vinha não somente misericórdia, mas um novo desafio ao comportamento humano, e um poder, nascido da fé, para viver uma vida vitoriosa. “Vi que ninguém poderia participar do ‘refrigério’ [chuva serôdia] a menos que obtivesse a vitória sobre toda tentação, orgulho, egoísmo, amor ao mundo, e sobre toda má palavra e ação” Primeiros Escritos, pág. 71.

Esta era a contribuição singular do adventismo para o mundo, a mensagem final que colocava o arremate sobre a reforma. Por séculos os cristãos tinham acreditado que a salvação vem da fé em Cristo. Aceitando completamente isto, os adventistas extraíram das Escrituras uma nova dimensão que sondava as próprias profundezas da fé: através da fé em Jesus e de Jesus, a vida toda poderia ser trazida em harmonia com a lei divina que mantinha o universo unido. A terceira mensagem angélica daria aos que a aceitassem o privilégio de viver sem pecado, pois a profecia é uma promessa: “aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus.” Apocalipse 14:12.

E tudo isto foi dito com um senso de urgência, como se o tempo disponível para que uma pessoa realizasse isso fosse muito curto.

“Estamos nos preparando para encontrar Aquele que, acompanhado por uma comitiva de santos anjos, está prestes a aparecer nas nuvens do céu para dar ao fiel e justo o toque final da imortalidade. Quando Ele vier não irá nos limpar de nossos pecados, remover de nós os defeitos de caráter, ou curar-nos de nossas enfermidades de temperamento e disposição. Se esta obra for realizada por nós, será totalmente completada antes daquele tempo. Quando o Senhor vier, aqueles que são santos, serão santificados ainda.” Testemunhos para a Igreja, vol. 2, pág. 354.

Em 1868 num dia de verão Ellen White tinha escrito pensamentos semelhantes em uma carta de aniversário para seu filho, na qual o amor de mãe tinha se combinado com o inconfundível desafio da velha mensagem do advento: “Não te enganes. Deus não Se deixa escarnecer. Nada senão a santidade te preparará para o céu. … O caráter celestial deve ser adquirido na terra, ou jamais poderá ser adquirido” Testemunhos Seletos, vol. 1, pág. 245.

Havia um idealismo sobre o adventismo, alguma coisa além mesmo dos sonhos dos reformadores, que haviam iluminado o mundo com a mensagem de fé reavivada. Lutero, Calvino, Knox – todos tinham vivido no tormentoso fim da longa noite da história, todos empurrando para trás as sombras a seu próprio modo, conforme as forças que lhe eram dadas por Deus. A partir de 1844 porém havia uma vocação mais elevada, e maior força para atingí-la (ver Ellen White, Cuidado de Deus, p. 5). Mas agora o dia, que começara tão cheio de promessas no século dezesseis, havia terminado há muito.

A história humana estava perto do fim, e os adventistas do sétimo dia tinham uma mensagem que nunca dantes havia sido dada ao mundo. Esta geração poderia viver à vista de um Deus santo, sem intercessor – poderia viver para ver Jesus voltar.

Consequentemente a atenção adventista tendia a se focalizar em objetivos que não mais podiam ser postos em algum futuro confortável e distante. Para eles o desafio era agora, e eles procuravam na Bíblia exemplos do que Deus esperava do povo que devia ser transladado ao céu sem passar pela sepultura.

“Por meio da transladação de Enoque, o Senhor tencionava ensinar uma lição importante”, Ellen White escreveu. “Ensinava-se aos homens que é possível obedecer à lei de Deus, que vivendo embora em meio dos pecadores e corruptos, eram capazes, pela graça de Deus, de resistir a tentação, e tornar-se puros e santos. … O caráter piedoso deste profeta representa o estado de santidade que deve ser alcançado por aqueles que hão de ser “comprados da terra” (Apocalipse 14:3), por ocasião do segundo advento de Cristo” (Patriarcas e Profetas, pág. 85). E aquele padrão sempre foi parte da missão da igreja.

Enoque tinha vivido na terra antes da sua destruição pela água, e sua própria vida foi uma mensagem de misericórdia, mostrando o poder de Deus para salvar. Agora uma destruição ainda maior se aproximava, e o mundo merecia uma última visão clara do caráter de Deus. “Como Enoque, advertirão o mundo da segunda vinda do Senhor, e dos juízos que cairão sobre os transgressores; e pela sua santa conversação e exemplo condenarão os pecados dos ímpios” Idem, pág. 86.

Em 1902 havia ela novamente lembrado aos adventistas que “nem todos os livros escritos poderiam substituir uma vida santa. O homens acreditarão, não o que o ministro pregue, mas o que a igreja pratique em sua vida.” Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 290.

Apesar de tudo, os adventistas tinham feito uma das mais ousadas afirmações jamais feitas na fé cristã. Eles reclamavam ter uma nova visão dos mais profundos recessos do céu, onde se encontrava a norma pela qual Jesus estava agora julgando o mundo. Os adventistas tinham redescoberto a lei, e agora precisavam fazer alguma coisa com ela: ou tinham de vivê-la, através do poder de Deus, ou desenvolver as melhores desculpas do mundo para o pecado.

Havia um perigo real de que eles pudessem escolher a última alternativa. A norma que se revelava no santuário era, afinal, excessivamente alta. Ellen White advertiu contra esta possibilidade em termos que são difíceis de ser mal entendidos. “Ninguém diga: Não posso remediar meus defeitos de caráter. Se chegardes a esta decisão, certamente deixareis de alcançar a vida eterna”. Parábolas de Jesus, pág. 331.

No importante ano de 1888, ela havia escrito pensamentos semelhantes. “Por meio dos defeitos do caráter, Satanás trabalha para obter o domínio da mente toda, e sabe que, se esses defeitos forem acariciados, será bem sucedido. Portanto, está constantemente procurando enganar os seguidores de Cristo com seu fatal sofisma de que lhes é impossível vencer”. O Grande Conflito, pág. 489.

Era uma alarmante advertência, dirigida aos perigos que resultariam se os adventistas alguma vez decidissem desculpar-se perante a lei em vez de guardá-la; contudo, como sempre, sua mensagem terminaria com uma nota de esperança: “Ninguém, pois, considere incuráveis os seus defeitos. Deus dará fé e graça para vencê-los”. Idem.

E a confortante garantia é dada: “Se está no coração obedecer a Deus, se são feitos esforços nesse sentido, Jesus aceita esta disposição e esforço como o melhor serviço do homem, e supre a deficiência, com Seu próprio mérito divino. Ele não aceitará os que alegam ter fé nEle e, no entanto são desleais ao mandamento de Seu Pai”. Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 382.

Assim, parecia ser uma missão especial para o povo que se chamava adventistas do sétimo dia, que sabia tanto sobre o que devia logo acontecer ao mundo. Por séculos os cristãos tinham proclamado a mensagem de fé, agora os adventistas estavam levando avante essa mensagem a seus mais distantes limites, exigindo da fé o máximo que ela poderia trazer: Uma mensagem de Elias, uma mensagem que começou na terra e termina no céu. Qualquer coisa que desafiava essa mensagem de vitória e testemunho pessoal também questionava a própria missão da igreja.

Nisso jazia o perigo dos ensinos de Kellogg em 1903. “Essas doutrinas, seguidas até suas conclusões lógicas, varrem toda a economia cristã”, a Sra. White advertiu. “Elas ensinam que as cenas justamente diante de nós não são de suficiente importância para que se lhes dê atenção especial”. Special Testimonies, série B, n. 7, pág. 37.

A igreja e o mundo estavam mergulhando numa profunda noite em direção a alguma coisa chamada o fim do tempo da graça, antes do qual cada indivíduo deveria ser examinado por Deus “com um escrutínio tão íntimo e penetrante como se não houvesse outro ser na terra” (O Grande Conflito, pág. 490). Quando esse evento chegasse, o destino de todos seria eternamente decidido para a vida ou morte. Era um desafio impossível de se exagerar.

Os adventistas, contudo, estavam sendo embalados por teorias agradáveis sobre a natureza de Deus, nas quais as tremendas verdades do santuário desapareciam de vista e o Shekinah se tornava nada mais do que o brilho do sol na primavera. Em seu desespero para advertir a igreja, alarmada pelo poder fascinante do erro, Ellen White buscou alguma maneira de ilustrar quão facilmente alguém poderia confundir o erro com a verdade, e ela recorreu à ilusão ótica de dois trilhos da estrada de ferro, confundindo-se na distância até parecerem ser um. “O trilho da verdade fica bem ao lado do trilho do erro, e ambos os trilhos podem parecer ser um para as mentes que não são operadas pelo Espírito Santo.” Carta 211, 1903.

Então, vendo alguns dos melhores intelectos da igreja apanhados na armadilha, e levando outros para ela com a capacidade de eloquência que tinha sido uma vez devotada à mensagem adventista, ela clamou em quase total desespero: “Minha alma fica grandemente perturbada quando vejo o desenvolvimento dos planos do tentador, que não posso expressar a agonia de minha mente. Precisa a igreja de Deus ficar sempre confundida pelos ardis do acusador, quando as advertências de Cristo são tão definidas e claras?” Special Testimonies, Série B, n. 2, pág. 23.

Junto com a igreja que amava, Ellen White estava agora mergulhando numa crise tão grande que ficava em dúvida se poderia sobreviver a ela. O ano de 1904 se desvanecia rumo a 1905. Quatro preciosos anos haviam se passado, anos de paz e abundância, e a igreja que deveria ter anunciado sua mensagem ao mundo, lutava em vez disso contra ataques feitos às suas verdades mais fundamentais. Sua maior instituição oscilava na iminência de se perder (seria realmente perdida apenas poucos meses mais tarde, em 1906).

O Espírito de Profecia estava sob um crescendo de ataques, tanto aberta quanto secretamente, por mentes capazes que eram mantidas, segundo boatos, pelo dinheiro que entrava no sanatório de Battle Creek. Mesmo o tabernáculo de Battle Creek, construído com o dinheiro doado por membros fiéis e interessados cidadãos de Battle Creek era objeto de uma luta por controle. E, nesse meio tempo, os erros estavam sendo oferecidos como uma nova luz, de uma forma tão sutil que confundiam tanto os estudantes do colégio quanto os obreiros amadurecidos. Como um navio, a igreja estava agora se movendo através de um oceano traiçoeiro e nevoento, que Ellen White viu estar cheio de icebergs.

No Porto Arthur, o almirante Heihachiro ordena a frota japonesa para a formação de batalha, solta seu alarido, e explode a frota báltica russa. A Rússia entrega o sul da Manchúria; o Japão, com seu poder invencível ocupa a Coreia. O equilíbrio do poder na Ásia cai, e as coisas nunca mais serão as mesmas. Os eventos estão agora num movimento que não cessará até que quase metade do mundo esteja fechado, por um tempo, para o evangelho.

Para a igreja, os desafios estão justamente começando.

É o tempo da segunda frente de ataque de Satanás.

É tempo de Albion Fox Ballenger.

Você é o Homem…

Em 16 de março de 1905, o presidente Daniells, da Associação Geral, escreveu para o pastor William White, que então estava na Califórnia, a respeito de um problema perturbador. Um ministro, recentemente enviado para a Inglaterra como evangelista e superintendente da missão, havia começado a dizer algumas coisas estranhas sobre a doutrina do santuário – ideias semelhantes àquelas que tinham posto D. M. Canright fora da igreja dezoito anos antes. Aparentemente o evangelista estava atraindo uma quantidade significativa de adeptos; igrejas na Irlanda, País de Gales, norte da Inglaterra – em quase todo lugar que o homem tinha estado – estavam agora em tumulto. Em Birmingham e outros lugares, os ministros estavam tendo “dificuldades sérias” com “alguns irmãos de influência, sobre o assunto do santuário” (Carta de A.G. Daniells a W.C. White, 16/03/1905). O pastor W. Farnsworth, tentando desesperadamente consertar o estrago, estava quase fora de si, e tinha escrito para Daniells pedindo ajuda. Nas próprias palavras de Farnsworth, citadas por Daniells em sua carta para White:

“O irmão Ballenger chegou a uma condição de mente que me parece desqualificá-lo inteiramente para pregar a mensagem. Ele tem estudado muito o assunto do santuário ultimamente, e chegou à conclusão… de que quando Ele (Cristo) ascendeu, foi imediatamente ao lugar santíssimo e que Seu ministério tem aí sido levado avante desde então. Ele toma textos tais como Hebreus 6:19 e os compara com vinte e cinco ou trinta expressões do mesmo caráter no Velho Testamento onde ele diz que em cada exemplo o termo ‘dentro do véu’ significa o lugar santíssimo… Ele vê claramente que sua opinião não pode ser harmonizada com os Testemunhos, ou pelo menos admite francamente que é totalmente incapaz de assim fazer, e mesmo em sua própria mente… há uma diferença irreconciliável” Idem.

Assim o problema foi apresentado para o presidente da Associação Geral por Farnsworth, um homem que tinha sido batizado no final do inverno em Washington, New Hampshire, num orifício de aproximadamente 60cm perfurado através do lago de gelo, e que não tinha intenção alguma de se tornar confuso sobre alguma coisa tão fundamental como o santuário. E Daniells, tendo considerado isto e muito mais, estava escrevendo para o Pastor White, imaginando em alta voz como a denominação devia lidar com o problema. “Estarei contente de tê-lo fora da Grã-Bretanha”, meditou, “mas o que podemos fazer com ele aqui é mais do que posso dizer no presente. … Parece estranho que um homem que tem estado nesta mensagem toda sua vida se desvie em uma tal questão. O santuário é a coluna central de todo este movimento; remova isto, e tudo cai. Por acaso conheceis este irmão, e tendes algum conselho para dar?” Idem.

De fato, o pastor White, bem como Ellen White, conheciam muito bem Albion Ballenger, com respeito a este assunto. Ele era um homem simpático, com um vasto e abundante bigode e um carisma que podia levar muitas pessoas com ele, e esta não era sua primeira desventura em falsificar artigos básicos da fé. Poucos anos antes, enquanto era editor assistente da revista denominacional sobre liberdade religiosa, tinha amadurecido a ideia de que a igreja devia fazer-se mais simpática, deixando de dar ênfase a doutrinas distintivas tais como o sábado. O resultado tinha sido uma visão que Ellen White recebeu quando estava em Salamanca, Nova York, e que ela finalmente revelou sob as mais impressivas circunstâncias. (Ela tentou repetidamente relatar a visão, mas toda vez desaparecia de sua memória; somente mais tarde foi capaz de recontá-la – no mesmo dia em que Ballenger fez suas observações numa reunião de comissão). Ballenger tinha dado atenção à mensagem divina naquela ocasião, confessado em lágrimas que estivera errado. Mas agora um problema completamente novo estava fermentando, e ele foi trazido da Inglaterra enquanto os irmãos imaginavam o que, exatamente, fazer com ele.

Ellen White tinha pouca dúvida. Em meados de maio de 1905 ela assistiu à sessão da Conferência Geral em Takoma Park. Enquanto andava no saguão do dormitório do colégio, que servia como aposento dos hóspedes, ela eventualmente viu Ballenger, e tinha uma penetrante mensagem para transmitir. “Você é aquele homem que o Senhor apresentou diante de mim em Salamanca”, ela declarou, então prosseguiu dizendo algumas coisas que somente podemos deduzir através de seu diário. “E agora novamente nosso irmão Ballenger está apresentando teorias que não podem ser fundamentadas pela palavra de Deus. …Eu declaro em nome do Senhor que as mais perigosas heresias estão buscando encontrar entrada entre nós como um povo, e o pastor Ballenger está fazendo espólio de sua própria alma… suas teorias, as quais têm multidões de finas malhas, e precisam de tantas explicações, não são verdadeiras, e não devem ser trazidas para o rebanho de Deus… Deus proíbe seu modo de agir – fazendo com que as Sagradas Escrituras, ao você agrupar passagens à sua maneira, testifiquem e construam uma falsidade. Sejamos todos fiéis à verdade estabelecida do santuário” Ellen White, Manuscrito 59, 1905.

A resposta de Ballenger foi encontrar-se com uma comissão de vinte e cinco líderes denominacionais, de onde resultou um documento que ele chamou “As Nove Teses”. As crenças adventistas com relação ao santuário estavam erradas em “quase todos os pontos fundamentais”, afirmou, e ele particularmente argumentou contra a aplicação do ministério do primeiro compartimento ao período após a ascensão de Cristo (A.F. Ballenger, The Nine Theses, pág.1, 4). Caso se seguisse o raciocínio de Ballenger, a profecia dos 2300 dias desmoronava, a mensagem de 1844 vai junto com ela, e o juízo investigativo repentinamente tornava-se um embaraço teológico do qual era preciso se livrar. Como A. G. Daniells colocou o assunto tão habilmente: “Tudo desmorona”; e ninguém viu isso mais claramente do que Ellen White.

“Em linguagem clara e distinta, digo àqueles que assistem a esta conferência que o irmão Ballenger tem permitido a sua mente receber e crer em erros ilusórios”, ela disse justamente poucos dias mais tarde. “Esta mensagem, se aceita, minaria os pilares de nossa fé”. E então referiu-se propositalmente ao capítulo sete de Mateus: “Acautelai-vos dos falsos profetas que se apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” Ellen White, Manuscrito 62, 1905.

“Aqueles que tentam trazer teorias que removeriam os pilares de nossa fé concernente ao santuário ou à personalidade de Deus ou de Cristo, estão agindo como homens cegos”, ela continuou. “Eles estão buscando trazer incertezas, e colocar o povo de Deus desgovernado, sem uma âncora…

“Nosso instrutor dirigiu palavras ao pastor Ballenger: ‘Estás trazendo confusão e perplexidade por tuas interpretações das Escrituras. Pensas que te tem sido dada nova luz, mas tua luz se tornará em trevas para aqueles que a receberem…

“Pára exatamente onde estás; pois Deus não te deu esta mensagem para levares ao povo”. Idem.

Há aqui um perigo muito maior do que a confusão de um homem sobre o que constitui basicamente o adventismo. Albion Ballenger era uma pessoa extremamente persuasiva, um homem agradável e de boa aparência que escrevia ocasionalmente poesia e que falava com tão calmante brandura que não crer nele parecia quase repudiar a própria percepção. Para muitas pessoas tudo isto parecia transmitir uma simples pergunta: Como poderia o pastor Ballenger estar errado?

Há reconhecidamente certo risco envolvido em demorar-se sobre os argumentos de um homem que a mensageira divina disse que cria em “erros ilusórios”, mas talvez por um breve momento esse risco é justificado para se obter uma ideia da capacidade persuasiva que os adventistas tiveram de enfrentar em 1905. Escrevendo para a Sra. White, Ballenger insinuou que ele tinha de escolher entre crer nela ou na Bíblia, e finalizou como se segue:

“Quando estivermos lado a lado diante do grande tono branco; se o Mestre me perguntar por que ensinei que ‘dentro do véu’ era o primeiro compartimento do santuário, que responderei? Devo dizer, ‘Porque a irmã White, que afirmava estar comissionada a interpretar as Escrituras para mim, falou-me que esta era a verdadeira interpretação, e que se eu não a aceitasse e ensinasse eu permaneceria sob Tua condenação?’

“Oh, irmã White, quem dera esta resposta pudesse ser agradável ao Senhor. Então eu me submeteria ao seu testemunho. Então a senhora voltaria a me dizer palavras de encorajamento. Então meus irmãos, com quem tenho mantido agradável troca de ideias, não mais me evitariam como a um leproso. Então eu apareceria outra vez na grande congregação, e choraríamos, oraríamos e louvaríamos juntos, como antes” A.F. Ballenger, Cast Out for the Cross of Christ, pág. 112.

Ballenger era capaz de usar poderosamente palavras e emoções, e entender claramente que as pessoas apoiarão instintivamente o que se porta com vítima, às vezes mesmo em face de verdades religiosas. Isto em si mesmo era surpreendente, porque a mesma tática estava sendo usada por John Harvey Kellogg, que, após arrebatar da igreja o sanatório de Battle Creek, podia ainda falar persuasivamente em se abaixar “com o rosto em terra e chorar” sobre as injustiças supostamente feitas a ele pelo pastor Daniells e Willie White. Canright tinha também representado um pouco de martírio ao deixar a fé adventista, e o uso de Ballenger da mesma técnica deveria logo ser evidente no título de seu livro Cast out For the Cross of Christ (Expulso por Causa da Cruz de Cristo). De uma maneira interessante, os homens que deixaram a igreja por causa desse debate, geralmente seguiam o mesmo comportamento: Prometiam solenemente não causar problemas para a igreja, somente para iniciar depois um intenso ataque ao adventismo logo após abandoná-lo. Ballenger não seria diferente, e sua carta aparentemente dócil para Ellen White diz completamente o oposto quando colocada ao lado de alguma da estridente linguagem em ‘the Gathering Call’, um jornal no qual ele e seu irmão proclamavam material anti-adventista, de sua sede, próxima à principal nova escola médica da denominação.

Mas isso poderia ser visto somente no futuro. Em 1905 os adventistas individualmente não podiam saber quão longe Albion Ballenger iria, pois ele próprio provavelmente não sabia; e nesse meio tempo havia mais do que apenas um perigo passageiro de que sua personalidade e seu dom da fala arrebatasse um número de pessoas bem intencionadas com ele. Por um lado, ele estava agindo cada vez mais como um zelote, um homem convencido de que tinha “nova luz” e que estava mais preocupado em espalhar suas opiniões do que com qualquer outra coisa, incluindo o bem estar da igreja organizada. Por outro lado, tinha acumulado uma impressiva coleção de textos escriturísticos para defender suas opiniões, e se não tivesse estudado as questões controvertidas pessoalmente, a massa de argumentos seria intimidante. “O pastor Ballenger já iludiu as mentes com sua enorme lista de textos”, Ellen White anotou em seu diário mais tarde em 1905. “Estes textos são verdadeiros, mas ele os tem colocado num lugar que não lhes pertence”. Ellen White, Manuscrito 145, 1905.

“Temos tido de enfrentar muitos homens que têm vindo com exatamente tais interpretações”, ela acrescentou, “buscando estabelecer falsas teorias, e perturbado as mentes de muitos por sua presteza em falar, e por sua grande quantidade de textos, os quais têm aplicado mal para que se ajustem a suas próprias ideias. É muito tarde na história desta terra para levantar alguma coisa nova”. Idem.

Aparentemente, poderosos mecanismos psicológicos seriam empregados, calculados para atrair as pessoas em direção ao carisma de personalidades humanas e assim fazer os novos ensinos tanto mais atraentes. “De nosso próprio meio surgem falsos mestres, dando ouvidos a espíritos enganadores cujas doutrinas são de origem satânica. Estes mestres arrastarão discípulos após si. Penetrando sem serem percebidos, eles usarão palavras lisonjeiras e farão hábeis embustes com tato sedutor” (Idem). Pessoas seriam arrastadas num erro tão convincente que “tendo aceito a isca, parece impossível quebrar o encanto que Satanás lança sobre eles” (Carta Ellen White para os irmãos Daniells e Prescott e seus associados, 30/10/1905, coleção J.H.N. Tindall). Aqueles que assim fossem enganados, não teriam ideia de sua verdadeira condição; eles “protestariam contra a ideia de que estão enlaçados, e contudo, esta é a verdade”. Idem.

Em uma palavra, surpreendente! Era quase além de explicação. Pessoas que tinham desfrutado da maior luz religiosa na história estavam agora expostos ao perigo de erros que poderiam fazê-los cair na armadilha e eles nem mesmo saberiam disto. Por aproximadamente dois mil anos os cristãos tinham entoado sobriamente as advertências bíblicas sobre erros tão sutis que enganariam, se possível, os próprios escolhidos. Como Pedro, geração após geração de crentes tinham solenemente informado o Senhor de que isto podia acontecer a outros, mas nunca a eles – agora, contudo, isto estava ocorrendo e Ellen White emitiu descrições verbais de uma grande apostasia: “Muitas estrelas que temos admirado por seu brilho se extinguirão então em trevas. A palha, como uma nuvem, será levada pelo vento, mesmo de lugares onde vemos apenas campos de rico trigo” Testemunhos para a Igreja, vol. 5, pág. 81

“O que, pergunto, pode ser o fim?” bradou ela em 30 de Outubro de 1905. “Vez após vez tenho perguntado isto, e tenho sempre recebido a mesma instrução: Nunca deixe uma alma sem ser advertida”. Carta Ellen White para os irmãos Daniells, Prescott e seus associados, 30/10/1905, coleção J.H.N. Tindall

“Nunca deixe uma alma sem ser advertida”. Em meio aos mais profundos desafios, a igreja devia lutar, nunca perdendo a oportunidade de transmitir a verdade para advertir cada última alma que permanecesse ainda o tempo suficiente para ouvir. Pois agora a guerra estava em intensidade mortal. A obra de Deus estava sendo desafiada por alguma coisa que Ellen White chamava o “alfa de heresias letais” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 200). Ela adicionou então um pensamento ulterior. Este não seria o último ataque desta natureza. outro devia vir, outro ainda mais traiçoeiro para a obra de Deus.

O alfa havia chegado. O ômega certamente viria. E disse Ellen White: “Tremi por nosso povo” Special Testimonies, série B, n. 2, p. 53

Ômega

“O que tem sido, isso é o que há de ser; e o que se tem feito, isso se tornará a fazer; nada há que seja novo debaixo do sol.” Eclesiastes 1:9

Tem-se dito que os que deixam de aprender da história estão fadados a repetir seus erros.

Para os adventistas do sétimo dia esta declaração é mais que um clichê. É uma certeza.

“Não vos enganeis; muitos se afastarão da fé, dando ouvidos a espíritos sedutores e doutrinas de demônios. Temos agora perante nós o alfa deste perigo. O ômega será de natureza mais assustadora.” Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 197

Esta declaração foi feita em julho de 1904, quando a denominação enfrentava um batalhão de problemas quase além da imaginação. A perda de sua maior instituição e o enfraquecimento da obra médica vital. Apostasia em larga escala entre alguns de seus homens mais influentes. Heresias tão sutis que suas implicações passavam sem serem reconhecidas mesmo pelos que as proclamavam. Manipulações legais que despejavam fortunas em algumas áreas enquanto o campo mundial lutava para sobreviver. E o iminente ataque de Ballenger, ferindo a própria base lógica do adventismo. Era um tempo em que se necessitava de todas as energias de cada membro fiel da igreja para manter o navio à tona, e contudo, em meio à crise, Ellen White tomou tempo para advertir a igreja sobre um perigo que ainda estava no futuro.

“No livro Living Temple acha-se apresentado o alfa de heresias letais. Seguir-se-á o ômega, e será recebido por aqueles que não estiverem dispostos a atender à advertência dada por Deus.” Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 200

Ômega. Alguma outra coisa viria, suficientemente parecida com a crise então presente para justificar o encadeamento dos dois eventos por letras tiradas de um mesmo alfabeto. Além disso, a serva de Deus disse pouca coisa. Foi uma advertência enigmática, gritada de dentro do vendaval de uma crise devoradora quase como um aparte, uma dádiva para o futuro dada num momento quando ela quase não tinha tempo para nada exceto o presente. E contudo, Ellen White deixou algumas pistas quanto ao que o ômega poderia envolver, e, pela urgência de sua advertência, parece ser essencial que tentemos encaixá-las umas com as outras.

Do Espírito de Profecia podemos depreender com certeza pelo menos três coisas sobre o ômega. Não era uma parte da apostasia do alfa; ele iria “seguir” mais tarde. Seria até mais letal que o alfa, um desafio tão terrível que Ellen White “tremeu” por nosso povo. E ele “será recebido por aqueles que não estiverem dispostos a atender à advertência dada por Deus”.

Mas se investigarmos o simbolismo que Ellen White usa, parece haver até mais do que podemos decifrar. Em 1904 ela vê que algo terrível está acontecendo com a igreja. Portas que uma vez estavam abertas ao evangelho estão se fechando. Até as verdades mais básicas estão sendo questionadas de todas as formas. É uma experiência horrível que ela teme abertamente lhe possa custar a vida, e olhando para o futuro, ela vê que isto acontecerá novamente, próximo ao fim do tempo. De alguma forma o povo de Deus deve ser avisado, e a Sra. White obtêm uma figura para descrever dois eventos separados pelo tempo mas de natureza similar. Ao descrever a grande apostasia do futuro, ela não usa a letra seguinte ao alfa no alfabeto grego. Ela não advertiu sobre uma apostasia “beta” ou “gama” ou mesmo “delta”. Ao invés disso ela salta bem adiante, para o fim do alfabeto, e escolhe um símbolo que Cristo usou em conexão com o fim. Alfa e ômega. As implicações são claras. Há dois eventos, separados mas similares. Um ocorre no fim do tempo. E, se se entende o primeiro, reconhecer-se-á o segundo.

Quase todas as grandes apostasias têm incluído uniformemente três áreas de ataque: O santuário, o juízo investigativo e o Espírito de Profecia – sempre em nome de grande bem para a igreja, disfarçadas em termos como maturidade, meditação, busca, autêntico, indispensável, profundo, ouvir, discipulado, coaching, treinamento, capacitação, espiritualidade, desenvolvimento, etc.

O adventismo produz um problema inevitável para todo indivíduo que já tentou reescrever a verdade adventista. O santuário e a santificação estão relacionados de maneira indivisível. Ataque um, e causará dano também ao outro. Remova a verdade do santuário com sua poderosa mensagem de verdadeira reforma, e você se verá logo perdido numa confusão de termos teológicos. Ataque a santificação, e você não poderá descansar confortavelmente até que apague a luz do santuário.

Se a liderança da igreja de Deus houvesse de fato aceitado a preciosa mensagem que enviou por Jones e Waggoner (não só assentido a ela), não teria havido nada que ela não pudesse ter feito – o diabo tinha de arranjar uma forma de embotar essa mensagem. E pouco lhe importava se o povo de Deus errava pensando que a salvação era inteiramente interna, ou se renunciariam, finalmente, sob as nuvens do fim do tempo que se ajuntavam, confiando em algo que se disfarça como comunhão e terminasse como um fracasso. Para ele havia apenas uma necessidade: ele tinha de desviar o povo de Deus do plano divino.

Quando obediente a Deus, Israel era invencível. Não havia nenhum rei Balaque que pudesse impedi-lo, nem mesmo alugando um profeta que pronunciou bênçãos sobre a nação que fora subornado para amaldiçoar. Contudo havia uma saída. O povo de Deus podia ser conquistado se eles deixassem de agir como seu povo. Balaão era impotente para amaldiçoar a Israel, mas ele ainda podia trazê-los à beira do desastre com um esquema sutil que os levasse para fora da proteção da lei de Deus. As bênçãos de Deus eram gratuitas, mas eles poderiam perder o direito a elas.

Assim com o adventismo. A igreja de Deus estava agora perante o Jordão – o Jordão na primavera, na época de cheia, correndo para o Mar Morto, o símbolo de um mundo furioso pelo qual Seu povo teria de passar em sua jornada rumo ao lar. Não havia maneira humana de passar através daquele caudaloso rio, contudo eles podiam fazer a travessia – salvos sob a arca de Deus, que continha Sua lei. Isso foi vividamente ilustrado a todo o povo que passou o rio a pé enxuto: a arca estava parada a meia altura do leito do rio, como que segurando a maciça parede d’água. Esta era a mensagem singular do adventismo. Grandes mudanças se aproximavam; o mundo se dirigia para seus eventos finais, e não havia nada mais importante que preparar-se. Nenhum grupo religioso na história moderna jamais fez os reclamos que fizeram os adventistas: reclamos de novas e grandes compreensões sobre a própria estrutura do céu, onde Jesus estava julgando o mundo por uma norma chamada lei de Deus. Toda a razão de ser do adventismo era encontrada nessa mensagem. Diante do mundo os crentes haviam elevado a arca e chegado às bordas do Jordão, e a mais inconcebível de todas as calamidades era a de que eles podiam de alguma forma, aqui na margem, tropeçar e deixá-la cair.

Esta era a questão, e aí Satanás escolheu dirigir seus ataques sobre a igreja, justamente como Ellen White disse que ele faria. Os ataques contra o adventismo sempre pareceram envolver suas doutrinas particulares, atingindo as elevadas normas de Deus para Seu povo – ou dizendo que os requisitos eram desnecessários ou declarando-os inatingíveis. Aqui Canright havia naufragado, desafiando abertamente a lei, o sábado, a inspiração do Espírito de Profecia. John Kellogg, aproximando-se do mesmo recife, por outra direção, havia também soçobrado na fé com ideias não demonstradas que eliminavam o juízo investigativo e colocavam o santuário de Deus dentro do corpo humano. Ballenger, McCoy, Conradi – todos seguiram rotas semelhantes, encalhando onde pensavam ter visto um canal desimpedido que levasse à verdade. E, ao assim fazerem, estariam inconscientemente demonstrando o papel das obras no adventismo. Posteriormente, Desmond Ford também questionaria a literalidade do santuário celestial e da semana da criação, em palavras cada vez mais ousadas. E não deu outra: isso o levou para fora da igreja. Confira a história dele narrada por seu colega de faculdade, Colin Standish, em congressomv.org/colin

O comportamento dos que advogaram o alfa proporciona algumas elucidações fascinantes quanto aos efeitos de falsas doutrinas e dá alguns sinais úteis para reconhecê-las quando elas reaparecerem. O próprio Cristo disse que às vezes pode ser extremamente difícil detectar a heresia, em particular quando ela é habilmente adaptada para satisfazer à condição mental de sua época (no caso do ômega, o pós-modernismo). No fim do tempo, apareceriam erros capazes de enganar os “próprios escolhidos”, uma profecia cumprida com triste precisão no alfa, que arrebatou a muitos da elite espiritual do adventismo. Deus deu, assim, em Sua sabedoria, um segundo meio pelo qual podem ser detectados a verdade e o erro: Frutos. O comportamento humano. Os meios pelo qual as pessoas saem promovendo as coisas que são importantes para elas. E o meio usado pelos “reformadores” de 1905 parecia uma lista de sinais de advertência dos quais se poderia esperar a verificação no engano chamado ômega. Encabeçando a lista está a mesma tática que Lúcifer usou para dar a conhecer à humanidade o pesadelo do pecado. É chamada desonestidade.

“A disputa se tornará cada vez mais feroz” advertiu Ellen White em 1898. “Dispor-se-ão mentes contra mentes, planos contra planos, princípios de origem celeste contra princípios satânicos”. E então ela predisse as táticas que alguns usariam. “Há homens que ensinam a verdade, mas que não estão aperfeiçoando seus caminhos diante de Deus, que estão tentando dissimular sua apostasia, e encorajar uma alienação de Deus.” Special Testimonies, série A, n. 11, págs. 5,6

“De nosso próprio meio se levantarão falsos mestres, dando ouvidos a espíritos sedutores cujas doutrinas são de origem satânica. Estes mestres arrastarão discípulos após si. Infiltrando-se sem serem notados, usarão palavras jactanciosas e farão hábeis embustes com tato sedutor” (Manuscrito 94, 1903). Quase no mesmo fôlego ela disse que “falsas teorias estarão misturadas com cada fase da experiência e serão advogadas com fervor satânico a fim de cativar a mente de toda alma que não estiver arraigada e fundamentada no pleno conhecimento dos sagrados princípios da palavra”. Idem

Estas predições haviam se cumprido tragicamente no caso do Dr. Kellogg e o círculo íntimo de seguidores que apoiavam suas manobras em Battle Creek. Foram postos em ação tramas secretos, que por certo tempo não foram conhecidos senão pelos conspiradores – e a mensageira do Senhor, que viu os encontros deles em visão naquela noite. Em 1905 seus planos estavam quase maduros; o sanatório de Battle Creek permaneceria pouco tempo mais como instituição adventista, e Ellen White proclamou em alta voz um alarme à igreja. “Desejo fazer soar uma nota de advertência a nosso povo de perto e de longe. Os que estão na vanguarda da obra médica em Battle Creek estão fazendo um esforço para obter controle de uma propriedade que à vista das cortes celestes, não têm direito de controlar … Está em andamento uma obra enganadora para obter uma propriedade de maneira clandestina. Isto é condenado pela lei de Deus. Não mencionarei nomes. Mas há médicos e ministros que têm sido influenciados pelo hipnotismo exercido pelo pai das mentiras. Apesar das advertências dadas, os sofismas de Satanás estão sendo aceitos agora da mesma forma como o foram nas cortes celestiais” (Special Testimonies, série B, n. 7, pág. 30). Antes ela havia escrito uma carta comovente a seu filho, que enfrentava a fúria da apostasia de Michigan. “O médico está se esforçando para laçar firmemente as instituições médicas de acordo com suas palavras, como Satanás trabalhou nas cortes celestiais para laçar anjos, a quem induziu a se unirem a seu partido para trabalharem a fim de criar rebelião no céu”. E então ela acrescentara: “sinto muito por você, Willie. Desejo não estar em Battle Creek. Mas permaneça firme pela verdade” Carta a W.C. White, 05/08/1903

As mesmas táticas agora se espalhavam por outras áreas. Kellogg e seus colaboradores, desmascarados pela mensageira de Deus, voltaram seus ataques contra ela. Dúvidas sutis sobre a fidedignidade de suas mensagens foram muitas vezes lançadas por obreiros que por razões táticas ou de emprego fingiram estar dando seu apoio (Kellogg podia manter as pessoas encantadas ao inundá-las de histórias sobre como ele havia “preparado uma armadilha para a Irmã White”, e como os testemunhos dela para ele eram alimentados por informações falsas fornecidas por A.G. Daniells e “Willie chorão” White). Tudo isso Ellen White viu e descreveu com serena precisão. “Muito habilmente têm alguns trabalhado para tornar sem efeito os testemunhos de advertência e reprovação que têm resistido à prova por meio século. Ao mesmo tempo negam estar fazendo tal coisa”. Special Testimonies, Série A, n. 11, pág. 31

Verdade. O artigo mais essencial do mundo. Nossa própria sobrevivência depende dela. Cada dia confiamos absolutamente em informações precisas sobre mesmo as coisas mais simples como a cor do sinal de trânsito ou a capacidade de carga de uma viga. Sem verdade não há segurança, quer num sentido físico ou espiritual. É o único canal pelo qual Deus Se comunica; e a verdade estava sendo manipulada por homens que afirmavam ter uma mensagem de reforma para a igreja de Deus, homens que não estavam sendo honestos nem mesmo sobre suas verdadeiras intenções.

“Antes do desenrolar dos recentes eventos, o procedimento que o Dr. Kellogg e seus associados seguiriam foi claramente delineado perante mim. Ele e outros planejavam como ganhar a simpatia do povo. Eles procurariam dar a impressão de que criam em todos os pontos de nossa fé, e tinham confiança nos Testemunhos. Assim muitos seriam enganados, e tomariam posição ao lado dos que se haviam apartado da fé”. Ellen White, Carta 328, 1906

Tudo isto leva a outra característica do alfa, sobre a qual o povo de Deus no fim do tempo precisa ser especialmente advertido. Esta tática é a hábil manipulação de pessoas. Os líderes do alfa tinham se dedicado tanto a mudar a igreja que parecem ter decidido que os fins justificam os meios. Anunciaram planos deliberados de representarem ser fiéis adventistas que criam na verdade mas que possuíam nova luz que, se a irmã White pudesse ter uma visão clara a respeito da mesma, ela própria a adotaria. Mesmo homens, como Dr. David Paulson iludido durante algum tempo por Kellogg, pensavam honestamente que a nova teologia era apoiada pelos escritos de Ellen White, um erro que, advertiu ela, Kellogg estava tentando difundir a todo custo. Foi um engano executado de maneira magistral, e o resultado foi um núcleo de pessoas brilhantes e influentes que se agruparam em torno de um homem e um novo movimento, mesmo que isso significasse ter de deixar a igreja.

Isto tem uma profunda importância para as pessoas que estão atentas para identificar o ômega. Táticas desonestas foram usadas num passo significativo rumo ao ômega, na publicação do livro Questões sobre Doutrina em 1957. Elas estão descritas nos livretos A Oportunidade do Século, de Herbert Douglass (congressomv.org/oportunidade-do-seculo), e Cartas às Igrejas (congressomv.org/cartas-as-igrejas), de Andreasen. As verdades de Deus são tão entrelaçadas, tão firmemente coerentes, que desviar-se delas quase sempre envolve um estímulo distrativo, como um indivíduo de personalidade carismática. Há uma poderosa tendência humana de seguir a liderança forte, especialmente se esse líder irradia carisma. Nações inteiras – milhões de pessoas – têm feito exatamente isso, seguindo um homem até sombras profundas onde não penetra o sol. É uma ameaça à qual nem mesmo o povo de Deus está imune. Ellen White adverte que há uma classe de pessoas particularmente vulnerável a esta tática. “Há muitos que não aperfeiçoaram um caráter cristão; não tornaram a vida pura e imaculada através da santificação da verdade; e trarão suas imperfeições para dentro da igreja, e negarão sua fé, adotando teorias estranhas, que promoverão como se fossem verdades” (Manuscrito 145, 1905). Há um ponto aqui que deve ser explorado um momento. Se um falso líder percebe isto, se compreende que as imperfeições na vida de seus seguidores os liga mais fortemente a ele e suas teorias, haverá uma poderosa motivação para que ele delineie uma teologia que deixe as pessoas confortáveis em seus erros.

“Ideias brilhantes, cintilantes, muitas vezes relampejam de uma mente que se acha influenciada pelo grande enganador. Os que escutam e aquiescem ficarão encantados, como ficou Eva pelas palavras da serpente. Eles não podem dar ouvidos a encantadoras especulações filosóficas, e conservar ao mesmo tempo clara na mente a palavra do Deus vivo” Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 197

Uma noite em 1904, antes de partir de Washington para Berrien Springs, Ellen White viu uma reunião em andamento em Battle Creek. “[Kellogg] estava falando, e ficou cheio de entusiasmo com respeito a seu tema. …em sua apresentação ele disfarçou um pouco o assunto, mas em realidade esta apresentando… teorias científicas que são semelhantes ao panteísmo.”

“Após considerar o semblante satisfeito, interessado, dos ouvintes, alguém que estava ao meu lado me disse que os anjos maus haviam dominado a mente do orador”. E Ellen White acrescentou que ficou atônita ao ver com que entusiasmo eram recebidos os sofismas e teorias enganadoras” Special Testimonies, Série B, n. 6, pág. 41. Código {SpTB06 41.2}

Havia perigo até em discutir tais assuntos com líderes do alfa, e isto novamente envolvia honestidade básica. “Quando ocupados em discussão sobre estas teorias, seus defensores tomarão as palavras faladas para se opor a eles. E farão com que elas pareçam significar justamente o oposto do que quem as falou queria dizer” (idem). Em outras palavras, até falar com esses homens seria correr o risco de ter as próprias palavras citadas incorretamente, torcidas de forma a parecer que apoiassem as ideias de Kellogg. Assim os conspiradores do alfa podiam fazer parecer que multidões estavam “com eles”, e que seus seguidores eram em número muito maior do que eram na realidade. Um jogo mortal, com regras heterodoxas que os líderes de Deus não poderiam usar – um jogo que mexia com mentes humanas, como peões num tabuleiro de xadrez, cujo prêmio para o vencedor seria, em última instância, o controle da igreja. Pode-se dizer uma coisa com certeza: o jogo do alfa era jogado com ardor e suas consequências seriam eternas.

Para executar seus alvos persuasivos, Kellogg e seus seguidores usaram alguns mecanismos psicológicos fascinantes. As reuniões eram frequentemente realizadas à noite, a às vezes nas primeiras horas da manhã, quando os ouvintes estavam cansados e menos capazes de pensar por si próprios. “As longas entrevistas noturnas que o Dr. Kellogg realiza são um de seus mais eficazes meios de conseguir seu intento. Seu constante fluxo de palavras confunde a mente dos que ele está procurando influenciar. Ele expõe e cita palavras erroneamente, e coloca os que discutem com ele numa luz tão falsa que suas faculdades de discernimento ficam amortecidas. Ele cita as palavras destes dando-lhes um cunho que faz com que elas pareçam significar exatamente o oposto do que eles disseram” (Carta 259, 1904). Ellen White escreveu a ele em angústia, lembrando-o de que essas mesmas táticas haviam antes sido usadas, e haviam causado a queda de um terço dos anjos do céu. Lúcifer também havia usado habilmente a técnica de ir de anjo em anjo, arrancando deles declarações que ele então repetia a outros anjos, dando-lhes um falso sentido. Era uma tática assoladora que fazia com que ele parecesse ter mais apoio do que existia em realidade, enquanto ao mesmo tempo isto era usado para lançar descrédito sobre os que eram leais a Deus, enfraquecendo a credibilidade destes e, dessa forma, sua influência ao lado da verdade. Era uma tática contra a qual nem mesmo Deus tinha qualquer medida defensiva exceto o tempo – e a certeza de que um dia Lúcifer iria longe demais e cometeria uma asneira, removendo o verniz superficial que encobria seu verdadeiro caráter.

A técnica do mexerico parece ter sido uma parte do alfa, e é um perigo contra o qual a igreja de Deus deve estar especialmente alerta. Na época de grupos fechados e listas de transmissão, “em nossos dias continuará a haver famílias inteiras que uma vez já se regozijaram na verdade, mas que perderão a fé por causa das calúnias e mentiras que lhes são trazidas com respeito àqueles que têm amado e com quem têm tido agradáveis trocas de ideias”. O erro deles estava em ouvir, em permanecer nessas rodas de escarnecedores. “Eles abriram o coração à semeadura do joio; o joio brotou no meio do trigo… e a preciosa verdade perdeu o poder para eles”. Por algum tempo, como ocorreu com Eva, a excursão deles nesse novo jogo de mexerico e falsa teologia trouxe um estranho senso de excitação: “Falso zelo acompanhou suas novas teorias, o que lhes endureceu o coração contra os defensores da verdade como ocorreu com os judeus em relação a Cristo” Special Testimonies, série A, n. 11, págs. 9,10

Portanto, o carisma, o uso hábil de inverdades sobre pessoas do lado direito, e o apelo para seguir personalidades, foram todos grandes fatores na apostasia que arrebatou da igreja até mesmo homens que haviam uma vez dado a terceira mensagem angélica “em verdade”. Todo artifício foi empregado para atrair lealdade a um homem e suas ideias vistosas, mas sem valor; e a técnica funcionou com impressionante sucesso. É uma ameaça quanto à qual o povo de Deus deve estar vigiando com profunda atenção para assegurar que ela não volte a ocorrer. E para aqueles que se sentem atraídos pelo magnetismo de uma personalidade, de um orador carismático do canal da esperança, que ficam intrigados com novas ideias que podem seduzir até mesmo pastores de destaque, há uma advertência emitida em 1905: “Tenho receio dos homens que adentraram o estudo da ciência que Satanás introduziu na guerra no céu. … Tendo eles aceito a isca, parece impossível quebrar o encanto que Satanás lança sobre eles.” Carta Ellen White para os irmãos Daniells e Prescott e seus associados, 30/10/1905, coleção J.H.N. Tindall

A questão era o controle da igreja. Se suficiente número de pessoas pudessem ser convertidas à nova teologia, se as igrejas pudessem enviar tais “conversos” às reuniões onde se realizavam eleições, se as instituições pudessem ficar abarrotadas de pessoas devotadas à causa do alfa, a igreja finalmente seguiria este rumo, quer A.G. Daniells e Ellen White gostassem ou não. Há toda razão para crer, pelos escritos de Ellen White, que se estavam envidando esforços conscientes e bem estruturados a fim de subverter a própria organização da igreja. Note a escolha de palavras em uma advertência dada por ela em junho de 1905: “Devo advertir a todas as nossas igrejas a que se acautelem contra homens que estão sendo enviados para fazer a obra de espiões em nossas Associações e igrejas – uma obra instigada pelo pai da mentira e engano” (Special Testimonies, série A, n. 12, pág. 9). Ela advertiu alhures que “no campo têm havido muitos traidores disfarçados, e Cristo conhece cada um deles. Deus tem sido desonrado por súditos desleais. … Aos que residem em Battle Creek, digo: Por amor a vossas almas, que todos quantos possam, se afastem da luta que aí se desenrola e de seus perigos” Special Testimonies, série B, n. 7, pág. 15

A “luta” e os “perigos” aos quais ela fez referências estavam se tornando acentuados em 1906. Já em 1902 membros da igreja haviam ameaçado processar a igreja para evitar a relocação da Review & Herald Publishing Association a Washington, D.C. Agora este espírito de luta e coerção veio novamente à tona. O grande tabernáculo de Battle Creek se tornou o ponto focal de uma disputa pelo controle; abriu-se um processo no tribunal de Michigan para evitar a transferência da propriedade da igreja para a Associação adventista local. Os membros leais à igreja finalmente venceram, mas somente depois de uma luta espetacular de dois anos. Até mesmo um jornal de Chicago anunciou sob manchetes na primeira página que a igreja adventista estava a ponto de se dividir “em duas”, e colocou a maior parte da culpa em Ellen White. Todo este triste caso serviu para ilustrar outro ponto da identidade do alfa: Onde quer que fosse, surgiriam problemas, creditados na conta dos leais à verdade.

O mesmo havia sido visto na apostasia de Ballenger. Informando das Ilhas Britânicas, o pastor Farnsworth havia dito que Ballenger “Tem propalado estas coisas em grau maior ou menor até que disse que o irmão Hutchinson na Irlanda via o assunto da mesma forma que ele, como também um número significativo de irmãos leigos influentes. O irmão Meredith que está encarregado da obra no País de Gales disse que um bom número de irmãos leigos nesse país estava contrariado com este ponto de vista, e, no norte da Inglaterra o irmão Andross está tendo sérias dificuldades na igreja de Birmingham e também em outros lugares, com alguns dos irmãos de influência, com respeito ao assunto do santuário. …De algum modo esta negra nuvem de apostasia tornou as coisas difíceis para nós” (Carta de A. G. Daniells para W.C. White 16/03/1905). E em Battle Creek, Kellogg havia recentemente trabalhado por trás da cortina num esforço inútil, mas importuna, a fim de remover do cargo a liderança da Associação Geral. Havia um capricho determinado em tudo isto para mudar a igreja – se possível por um processo político, mas se necessário pela subversão – e a descrição de Ellen White é bem precisa: “coisa alguma se permitiria opor-se ao novo movimento” (Mensagens Escolhidas vol. 1, pág. 205). Havia uma estranha crueldade, que raras vezes (se é que alguma vez) fora vista antes, na qual amizades de longa data já não pareciam valer muito e a lealdade tradicional desapareceu misteriosamente. John Kellogg havia recebido ajuda financeira dos White durante toda a sua estadia na escola de medicina: Agora ele se voltava para seus velhos amigos com ataques mordazes. A.T. Jones e E.J. Waggoner, que haviam trabalhado e pregado com Ellen White, e decerto cansados do bullying eclesiástico contra eles, acabaram cedendo à tentação de abandonar as velhas amizades em favor da nova teologia. Mesmo Frank Belden, compositor de hinos adventistas e sobrinho da Sra. White, tentou sem sucesso enganá-la para que emitisse um falso testemunho, e depois abriu um processo contra membros leais que estavam tentando proteger a propriedade da igreja. A toda parte que ia a nova teologia parecia haver problemas, trazidos por “línguas daninhas e mentes aguçadas, afiadas por longa prática em evadir-se à verdade”, que estavam “em contínua atividade para introduzir confusão, e a executar planos a que são instigados pelo inimigo“. Mensagens Escolhidas vol. 1, pág. 194

Como vimos anteriormente, outra característica do alfa era a maneira pela qual ele tentava atingir os jovens da igreja adventista. Depois que foi impresso The Living Temple, Kellogg o enviou às Associações locais e tentou alistar os jovens paras sua distribuição e venda. Ele também reanimou o colégio de Battle Creek, o que colocou muitos estudantes sob a instrução de seus mais brilhantes auxiliares. Tomando-os numa idade propícia a receber impressões, e colocando-os no ambiente de uma sala de aulas na qual o instrutor tradicionalmente goza de alta credibilidade, esperava ele ganhar muitos adeptos dentre a nova geração da igreja. E assim os proponentes da nova teologia teriam uma forte segunda linha de ataque. Se não tivessem sucesso em impor seu ponto de vista sobre a igreja, precisavam somente aguardar, treinar pacientemente estudantes e então espalhá-los pelo campo mundial, de forma que a própria estrutura da obra organizada começaria a mudar imperceptivelmente. E um dia os dissidentes teriam a influência e os votos, talvez, para tornar oficial a mudança. Em alguns aspectos, esta pode ter sido a mais perigosa de todas as táticas. E a esta altura, a Sra. White estava preparada para colocar tudo, inclusive a própria vida, na linha de batalha. “Não permita Deus que uma só palavra de encorajamento seja proferida para chamar nossos jovens para um lugar onde serão corrompidos por falsas informações e mentiras referentes aos Testemunhos, e à obra e caráter dos ministros de Deus. Minha mensagem se tornará cada vez mais aguda, como era a mensagem de João Batista, mesmo que isso me custe a vida. As pessoas não serão enganadas” Special Testimonies, série B, n. 7, pág. 34

Faz-se às vezes a observação descortês de que Ellen White não se importava com as realidades que os jovens da igreja enfrentavam. Em 1904 ela estava pronta a morrer por eles. Finalmente, os que estavam envolvidos na apostasia alfa tinham outro ponto em comum: Eram indispostos ao Espírito de Profecia. Os motivos disto não são difíceis de se entender; muitas de suas ideias preferidas estavam em frontal oposição a Ellen White. Sob o poder do Espírito de Deus, seus planos ocultos foram muitas vezes trazidos à luz, suas reuniões presenciadas mesmo a grandes distâncias. Não tendo a verdade divina a seu lado, eles precisavam recorrer a algum substituto, e o recurso mais fácil parecia ser muitas vezes ataques pessoais à mensageira que Deus escolhera usar. Nada havia de novo nesta tática; pode ser vista desde o tempo de Cades-Barneia, onde Israel – em plena vista da nuvem divina – censurou Moisés por traze-los a uma difícil travessia do deserto. E o resultado, nesse tempo como mais tarde, sempre foi a separação das bênçãos de Deus.

Enfrentai-o

Era uma hora da manhã e Ellen White estava sentada, provavelmente usando uma prancheta ao colo como escrivaninha, escrevendo tão rápido quanto sua pena podia se mover sobre o papel. Em geral ela costumava se levantar antes do raiar do dia para fazer o seu trabalho, mas esta manhã, apenas uma hora após a meia-noite, ela sentiu uma urgência raras vezes experimentada antes. O povo de Deus rumava para uma nova etapa da sacudidura, uma grande colisão com o erro, na qual muitos perderiam o norte, e ela se sentia compelida a lhes dar uma advertência clara antes que isso acontecesse.

Tudo havia começado algum tempo antes, naquela noite, com um sonho vívido que ela reconheceu ser uma mensagem divina, e a história é descrita nas seguintes palavras:

“Pouco tempo depois de enviar os testemunhos acerca dos esforços do inimigo para solapar os alicerces de nossa fé mediante a disseminação de teorias sedutoras, lera eu um incidente acerca de um navio envolto em cerração, tendo à frente um iceberg. Por várias noites pouco dormi. Tinha a impressão de estar arcando sob um fardo, como um carro carregado de molhos. Uma noite foi-me apresentada claramente uma cena. Achava-se sobre as águas um navio, envolto em densa cerração. Súbito o vigia bradou: ‘Iceberg à frente!’ Ali, elevando-se muito mais alto que o navio, estava um gigantesco iceberg. Uma voz autorizada exclamou: ‘Enfrentai-o!’ Não houve um momento de hesitação. Urgia ação rápida. O maquinista pôs todo o vapor, e o timoneiro dirigiu o navio diretamente para cima do iceberg. Com um estrondo o navio deu contra o gelo. Houve tremendo choque e o iceberg se desfez em muitos pedaços, despencando sobre o convés, com um ruído de trovão. … Bem sabia eu o significado dessa representação. Eu tinha minhas ordens. Ouvira as palavras, como uma voz que viera de nosso Comandante; ‘Enfrentai-o!’ … nos próximos dias, trabalhei diuturnamente, preparando para nosso povo as instruções que me foram dadas acerca dos erros que se insinuavam em nosso meio”. Mensagens Escolhidas, vol. 1, págs. 205, 206

A ideia de uma grande crise, na qual se perdem membros para a causa, é uma parte incongruente, e contudo, inevitável do Adventismo. Em alguma parte, em algum tempo, haverá um grande desafio que sacudirá a igreja. Nesta provação, muitos se perderão, mesmo dentre pastores preeminentes. “Não está muito distante o tempo em que o teste sobrevirá a toda alma. … muitas estrelas que temos admirado por seu brilho se extinguirão então em trevas. A palha, como nuvem, será levada pelo vento, mesmo de lugares onde vemos apenas campos de rico trigo”. Testemunhos para a Igreja, vol. 5, pág. 81

“Ao vir a sacudidura, pela introdução de falsas teorias, esses leitores superficiais não ancorados em parte alguma, são como areia movediça” (Testemunhos para Ministros, pág. 112). A única esperança neste tempo é conhecer a vontade de Deus como se acha revelada em Sua santa Palavra. “Aproximam-se rapidamente os dias em que haverá grande perplexidade e confusão. Satanás, vestido de roupagens angelicais, enganará, se possível, os próprios escolhidos. … Soprará todo vento de doutrina. … Os que confiaram no intelecto, no gênio ou no talento, não estarão então à frente das fileiras. Não acompanharam o desenvolvimento da luz”. Ela então faz uma declaração repleta de implicações trágicas: “Poucos grandes homens estarão ocupados na última obra solene”. Testemunhos para a Igreja, vol. 5, pág. 80

Para que não escapem as implicações de tudo isto, reconhecemos o alcance da tragédia aqui descrita. Aparentemente algum engano extremamente poderoso passará pela igreja, arrebatando todos os que não estiverem firmemente fundados, não importando quão altamente educados são. O próprio Jesus advertiu contra erros, que se fosse possível, “enganariam os próprios escolhidos”. Não são erros abertos, nem ataques frontais sobre a fé cristã que arrastam os homens para fora da verdade; é, antes, a mistura sutil da verdade com o erro, tão inteligentemente combinados, que a única esperança de reconhecer isto é através da ajuda do Espírito Santo e o estudo diligente da verdade revelada de Deus. Será necessário negar até mesmo as realidades aparentes aos sentidos, e andar unicamente pela fé na luz que procede da palavra de Deus.

Haverá um grande reavivamento, somos informados justamente antes da visitação final dos juízos de Deus sobre a Terra. Sabendo disto de antemão, Satanás “esforçar-se-á para impedi-lo, introduzindo uma contrafação. Nas igrejas que puder colocar sob seu poder sedutor, fará parecer que a benção especial de Deus foi derramada, manifestar-se-á o que será considerado como grande interesse religioso. Multidões exultarão de que Deus esteja operando maravilhosamente por elas, quando a obra é de outro espírito”. O Grande Conflito, pág. 464

Por várias gerações temo-nos acostumado a assumir que tudo isto aconteceria principalmente fora da igreja adventista e que nós, seguros dentro do remanescente de Deus, assistiremos a isto em segurança, com interesse, mas sem envolvimento. E esta pressuposição pode nos deixar perplexos quanto a como os próprios escolhidos em nosso meio podem estar ameaçados de cair no engano. Há a possibilidade de que tenhamos subestimado o inimigo, de que o mesmo engano de um falso reavivamento possa também se apresentar no seio do adventismo, acompanhado por todas as armadilhas que apelam para os sentidos e por isso reclamam crédito? Se respondermos a esta pergunta negativamente, vemo-nos fortemente compelidos a explicar por que algumas de nossas “mais brilhantes luzes” se apagarão e se tornarão nossos mais formidáveis e pronunciados inimigos.

Estanhas palavras para uma mulher que iria despender toda uma existência tentando manter unida uma igreja que para ela significava mais que a própria vida. Tal tipo de provação parece estranha a uma igreja que tem sido condicionada a crer na importância da unidade. Foi difícil para Ellen White; será difícil para nós.

Contudo mesmo o dom da unidade – como os outros dons de Deus aos homens – pode ser mal usado. Introduzir na igreja erros que irão destruí-la, e então protege-los atrás do escudo da “unidade” é um problema ao qual Ellen White teve de se dirigir em 1904. “Devemos nos unir”, declarou ela, “mas não sobre uma plataforma de erros” (Carta de Ellen White ao Dr. W. H. Riley, 03/21/1904). “Não devemos receber as palavras dos que vêm com uma mensagem em contradição com os pontos especiais de nossa fé. Eles reúnem uma porção de passagens, e amontoam-nas como prova em torno das teorias que afirmam. Isto tem sido repetidamente feito durante os cinquenta anos passados”. Mensagens Escolhidas, vol. 1 pág. 161

Para os adventistas que desejavam evitar grande perigo, ela possuía instruções alarmantes sobre as teorias que o Dr. Kellogg promovia, os quais ela própria teve de empregar finalmente no caso desse médico, nem mesmo discutir com os que persistem em seguir seu próprio curso: “No tempo da Conferência Geral em Oakland, fui proibida pelo Senhor de entreter qualquer conversação com o Dr. Kellogg. Durante esta reunião foi-me apresentada uma cena, que retratava os anjos maus conversando com este médico. … Ele parecia impotente para escapar do laço” (Carta de Ellen White para S.n. Haskell, 28/11/1903). Em 1907 ela escreveu uma carta para ser lida em Oakland, Battle Creek, Chicago, e outras igrejas grandes: “Há um espírito de perversidade em operação na igreja, que está tentando se valer de todo ensejo para anular a lei de Deus. … Em nossa obra agora não nos cabe a responsabilidade de trabalhar por aqueles que, embora possuindo abundante luz e evidência, ainda continuam do lado dos que optaram pela incredulidade” (Ellen White, Manuscrito 125, 1907). Discutir estes assuntos com os que se entregaram ao erro era correr o risco de ter as próprias palavras distorcidas, advertiu a Sra. White, e ela bradou contra os que “podem colher declarações de meus escritos que por acaso os agrada, e que concordam com seu julgamento humano, e, ao separar estas declarações de seu contexto e colocá-las ao lado de raciocínios humanos, fazem parecer com que meus escritos aprovem as próprias coisas que condenam”. Carta de Ellen White a G.C.Tenney, 29/06/1906

E ela fez advertências especiais quanto a ter essas pessoas envolvidas em escolas adventistas. “Qualquer homem que procura apresentar teorias que nos desviariam da luz que nos veio sobre a ministração no santuário celestial, não deve ser aceito como professor”. Ellen White, Manuscrito 125, 1907

Deus ama o pecador e odeia o pecado. Se o defensor do pecado se apegar ao erro persistentemente, porém, ele vai junto. Deve-se repreender publicamente o ofensor público (1Tm 5:20): “Falsos mestres podem parecer muito zelosos da obra de Deus, e podem despender meios para apresentar ao mundo e à igreja as suas teorias; mas como misturam o erro com a verdade, sua mensagem é de engano, e levará almas para veredas falsas. Deve-se-lhes fazer oposição, não porque sejam homens maus, mas porque são mestres de falsidades e procuram colocar sobre a falsidade o sinete da verdade.” Igreja Remanescente, pág. 51

Se o comandante do Titanic, anos mais tarde, tivesse aprendido a técnica de enfrentar o iceberg de frente, teria evitado a catástrofe do maior e mais luxurioso transatlântico da época. Mas no desespero do momento, manobrou a fim de desviar do bloco, e este abriu um rombo no casco da embarcação. Se hoje tentarmos colocar band-aids superficiais, o estrago só vai aumentar. Requer-se ação decidida. Não podemos lidar com esta heresia como lidamos com Ford, achando que ele era um peixe pequeno num aquário grande. A ação decidida que os leigos podem tomar é a repreensão pública. Veja como isso foi exemplificado com Tiago e Ellen White:

“Na manhã seguinte, enquanto estávamos prestes a deixar a casa de culto para enfrentarmos os árduos deveres do dia, uma irmã a quem eu dera um testemunho de que lhe faltava discrição, prudência e controle das palavras e ações, entrou com seu marido e manifestou sentimentos irreconciliáveis e de grande agitação. Ela começou a falar e a chorar. Murmurou um pouco e confessou um pouco, e se justificou consideravelmente. Tinha idéias errôneas acerca de muitas coisas que eu lhe havia dito. Seu orgulho foi tocado por eu ter trazido suas faltas de maneira tão pública. Aí jazia a principal dificuldade. Mas por que ela se sentiu desse jeito? Os irmãos e irmãs sabiam que as coisas eram assim, portanto, eu não lhes dissera nada novo. Eu não tinha dúvidas de que isso era novo para a própria irmã. Ela não conhecia a si mesma, e não poderia julgar corretamente as próprias palavras e atos. Quase todos estão sujeitos a isso, daí a necessidade de reprovações fiéis na igreja, e do cultivo, por todos os membros, do amor pelo claro testemunho.

O marido pareceu irritado com a exposição das faltas da esposa perante a igreja, e declarou que se a irmã White seguisse as orientações de nosso Senhor em Mateus 18:15-17, ele não teria se sentido magoado: “Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que, pela boca de duas ou três testemunhas, toda palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano.”

Meu marido então declarou que ele deveria compreender que essas palavras de nosso Senhor faziam referência a casos de delitos pessoais, e não poderiam ser aplicadas no caso dessa irmã. Ela não ofendera a irmã White. O que havia sido censurado publicamente eram os erros públicos que ameaçavam a prosperidade da igreja e da causa. “Eis”, disse meu marido, “um texto aplicável ao caso (1 Timóteo 5:20): ‘Aos que pecarem, repreende-os na presença de todos, para que também os outros tenham temor.’” O irmão reconheceu seu erro, como um cristão, e pareceu compreender o problema.” Testemunhos para a Igreja 2, pág. 15.

Quem dera os pastores hoje tivessem a humildade que esse irmão demonstrou, reconhecendo seu erro.

O Espírito de Walla-Walla

  Damos agora um fast-forward aos promissores anos da década de 1990. Eu, Daniel, era um inocente desbravador no clube Flamboyant, do UNASP-EC, naquela época IAE/CT. Gostava de ler, fazer parte em concursos. Jorge Mário era meu pastor, e eu apreciava sua religiosidade autêntica.

Em um dos sábados à tarde tivemos instruções com Sônia Gazeta, alertando-nos contra a Nova Era. Atento, eu olhava para os símbolos projetados no telão da capela do dormitório masculino.

Nessa época a Casa Publicadora Brasileira lançou pelo menos três livretos advertindo jovens como eu contra o misticismo oriental em roupagens cristãs. Estávamos vacinados para o que desse e viesse na misteriosa era de aquário. Mas…com a virada do milênio, essa comoção sobre os perigos transcendentais cessou. O bug do milênio, no qual se temia que computadores em todo o mundo falhassem, causando assim um caos, não aconteceu. Alarme falso.

O sol raiava sobre o mundo, dispersando as névoas do pessimismo. Ano 2000, hora de esquecer as preocupações. Era a calma antes da tempestade. E esta não tardou. No ano de 2001 a Associação Geral criou o International Board of Ministerial and Theological Education (IBMTE), e com um dos objetivos de levar a matéria mística chamada de formação espiritual aos seminários teológicos de todas as 13 Divisões da IASD.

O fermento foi atuando, e foi somente em 2010 que traços mais claros e decididos da nova espiritualidade se esboçavam por entre o nevoeiro. Foi quando cinco pastores adventistas do sétimo dia, com doutorado na Universidade de George Fox, decidiram juntar forças. Eles fundaram o One Project que levaria o que aprenderam na universidade Quaker ao público adventista. Seus nomes: Alex Bryan, Japhet de Oliveira, Tim Gillespie, Sam Leonor e Terry Swenson.

A premissa era interpretar a Bíblia pelos olhos da cultura, em vez de deixar a Bíblia se interpretar a si mesma. As notas tônicas: inclusão, amor e graça; justificação sem avançar para santificação. O seu modus operandi é o silêncio, seu ambiente o Universo (sim, com letra maiúscula). Em suma, o evangelho evangélico, não o evangelho eterno. O primeiro evangelho prega que vamos continuar pecando até a volta de Jesus, o outro anima ao libertamento do pecado. Advogam reavivamentos modernos, os mesmos que o capítulo 27 do Grande Conflito condena. Seu objetivo final é ecumênico. No desejo infantil de pulsar no ritmo das estrelas, acabam abstraindo Deus a um âmbar cósmico, e de pronto se encontram no panteísmo de Kellogg. Dão pouca ou nenhuma ênfase às verdades distintivas da IASD. Identificam-se com o evangelho social, rejeitando a noção proselitista do evangelismo tradicional. A mensagem distintiva do santuário e do sábado, apesar de professadas, são evitadas.

Outros influenciadores chave a esta altura foram: Dennis Fortin (acadêmico da Andrews), Jon Paulien (autor sobre relevância para o pós-moderno), Roy Ice (Umbrella TV, Loma Linda), Matthew Gamble (evangelismo secular e pós-moderno na Associação Geral, hoje ocupado por Kleber Gonçalves da Nova Semente. Também palestrante de God Encounters, algo na direção dos brasileiros ECC, EJC, EJUC e outros).

Um território proibido visitado por proeminentes pastores adventistas demonstrou ser a programação neurolinguística. Pessoas treinadas nisso, mudavam a semântica (palavreado) dos programas a fim de introduzir as ideias nas IASD, fazendo seminários do ‘Poder do Espírito’ para capacitar a mente a dar estudos bíblicos mais elaborados.

Mas quem acabou sendo o mais influente de todos para a igreja mundial foi John Dybdahl, pastor da principal igreja de Walla-Walla, e depois presidente desta universidade. Toda a história da controvérsia dentro da IASD, você assiste em congressomv.org/omega-emerging. Sob a bandeira de “Jesus é tudo”, estavam operando forças das trevas, prontas para serem sopradas sobre quem quer que abrisse as avenidas da alma à argumentação.

Era uma cena arrepiante. Mas demonstrou ser só a cunha de entrada. Se a Associação Geral tivesse agido prontamente, a heresia poderia ter sido abafada. Mas assim como foi com Ford, a liderança só tem lidado com os sintomas. Empurrando com a barriga, jogando panos quentes. Quando o Pr. Ted Wilson assumiu a presidência da igreja em 2010, aparentemente já era tarde. A determinação do seu sermão inaugural esbarrou na fria realidade de que o fermento já estava demasiado misturado com a massa.

Nos Estados Unidos o negócio está preto. E onde nossos acadêmicos, departamentais de jovens e todos pastores em vias de serem promovidos fazem pós-graduação?

Dybdahl também lecionava mestrado na Andrews. Ali, o nome de um dos seus alunos decerto o fazia lembrar de sua visita ao monastério beneditino, que esperava manter em sigilo. Marcos de Benedicto sorveu a grandes goles os ensinos místicos de Dybdahl. Tanto que quando voltou, lançou na CPB um livro chamado O Brilho da Vida. Na Andrews, Jon Paulien ensinava como pensavam os pós-modernos, com o livro de título capcioso Everlasting Gospel, Ever-Changing World (Evangelho Eterno, Mundo Mutável).

Eu mesmo li este livro em 2011 com grande entusiasmo. Eu me considerava conservador, e lia o livro convencido de que ele ensinava a mudar só o embrulho (metodologia), não o conteúdo do evangelho. Ledo engano. Mal sabia que o embrulho faz parte do presente. Ademais, quem define o que é embrulho e o que não é?

Querer falar a linguagem do pós-moderno é uma falácia. Como argumenta Stephen Bohr: “Para o pós-moderno, a verdade é subjetiva”. Minha verdade é diferente da tua verdade, mas ambas são verdade. Meu sistema ético é tão válido quanto o teu, pois nós dois fazemos parte da essência universal de Deus. O que torna o teu sistema ético melhor que o meu, se ambos somos deuses? … A essa conclusão chega o pós-modernismo, que não passa de espiritualismo e panteísmo camuflado” (ver O Trono de Satanás em congressomv.org/omega-emerging) Já Jon Paulien fica encantado com o modo deles de pensar , e enxerga no não-conformismo e na afinidade por histórias do pós-moderno uma oportunidade a ser explorada.

Em 2014 um abalo sísmico chegou aos adventistas brasileiros, com a publicação da série de vídeos Omega Emerging. Seguem alguns bastidores. Chegou até a mim a informação que a IASD central de Sacramento tinha feito uma nova série. Como tínhamos uma considerável fila de vídeos por traduzir na TV, não me interessei muito pelo conteúdo. Mas tendo recebido a luz verde do diretor geral da TV, David Gates, comecei a assistir para averiguar quais vídeos da série valia a pena legendar.

Encontrava segurança no fato de que a central de Sacramento até há pouco tinha sido a igreja pastoreada por Doug Batchelor. Deveriam estar bem treinados.

Fiquei pasmo com a mordacidade dos defensores das heresias. A forma com a qual John Dybdahl lidou com uma vendedora do SELS, que por motivo de consciência tirou seu livro Hunger da prateleira, foi não só revoltante como também revelador. Constatei que o livro de Alex Bryan, The Green Cord Dream (O Sonho do Cordão Verde) tem poucos fios de qualquer cor em comum com o sonho original de Ellen White. Exalta a Jesus às custas da doutrina e pilares de nossa igreja, e lança uma luz negativa à forma como surgiu a IASD. Gerhard Pfandl, da Associação Geral, comentando este livro, diz: “Sim, Jesus precisa estar no centro de nossos ensinos, mas que Jesus é esse, e qual Sua mensagem?” (link ou pdf original em congressomv.org/omega-emerging)

A reação aos três vídeos que traduzimos foi essencialmente positiva. A multidão de likes era de vez em quando interrompida por algumas vozes que denunciavam o politicamente incorreto de citar os culpados pelo nome, e criticavam a urgência, sendo esta interpretada como agressividade. No zeitgeist atual que aceita o homossexualismo e na mentalidade católica de submissão que reina no Brasil, não era de se estranhar.

Além de abstrair a pessoa de Deus, puxando o tapete da doutrina do santuário, o misticismo panteísta também prega que Deus habita no coração do pecador. “Em Living Temple é feita a afirmação de que Deus está na flor, na folha, no pecador. Mas Deus não vive no pecador. A Palavra declara que Ele habita somente nos corações daqueles que O amam e praticam justiça” (Sermons and Talks vol. 1, pág. 343). Mas “aquele que é nascido de Deus não peca; porque sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (1Jo 3:9). E o que estendeu a toalha de mesa para este aspecto do panteísmo, nos idos de 1957, foi o livro Questões sobre Doutrina, apresentando outrasdefinições de pecado, como por exemplo separação de Deus (Questões sobre Doutrina, págs 294 e 295). Mas Ellen White é categórica quando diz que o pecado é uma decisão: “Pois bem, precisamos compreender o que é o pecado – a saber, que ele é a transgressão da lei de Deus. Essa é a única definição dada nas Escrituras” (Fé e Obras, pág. 50). Conheça mais sobre as heresias de Questões sobre Doutrina em congressomv.org/baker

Já alguns meses mais tarde, o Congresso MV realizou um seminário Ômega Emergente chamado Sementes do Ômega, expondo a abordagem equivocada da Nova Semente, de baixar as normas (tidas por embrulho) para atrair os jovens. Quais são os frutos desta semente? A que espécie de adventismo são conduzidos seus visitantes? Eles passam por uma transição para o adventismo tradicional? Dificilmente. Pelo contrário, a Nova Semente acaba sendo um precedente negativo para as igrejas convencionais, um refúgio para membros progressistas frustrados, desiludidos com a estrutura rígida e fria, e para os não-conformistas liberais que rompem com o tradicional.

O seminário também condenou o livro A Busca, que a CPB traduzira do livro Hunger, de Dybdahl, deletando alguns capítulos mais indigestos.

Poucos dias depois do seminário, a CPB tirou o livro de circulação. Um dos editores me confidenciou que foi a primeira vez que a editora teve que voltar atrás por motivos teológicos. Um pastor de Portugal também protestou contra o livro, e provavelmente isso teve até mais peso que o nosso seminário.

Mas a aparente vitória não seria deixada quieta pelo inimigo das almas. O que viria, seria da natureza mais assustadora.

As Assustadoras Feições do Ômega

O pregão para os sapos pularem fora do caldeirão morninho do adventismo místico foi encaminhado pelo pastor Daniel Spencer.

Em novembro de 2015, logo após o Congresso MV Batalha Final, que apesar das ameaças atraiu mais de mil visitantes, calhou de Spencer visitar Campo Grande MS, no caminho de volta à Bolívia. A entrada deles por essa via foi para escapar de um possível complô em São Paulo, tentando impedi-los de entrar (como já acontecera no passado); haja vista a oposição desmedida a este servo do Senhor.

Em Campo Grande, Spencer escutou, boquiaberto, a descrição do que o Momentos a Sós com Cristo (MASCC) estava preparando, especialmente no Centro-Oeste do Brasil. O movimento é idealizado por Alcênio, que antes de aderir ao adventismo estava envolvido com espiritismo. Ele ensinava que devemos orar no estilo bate-papo, sem pedir nem agradecer, e aprender a escutar a voz de Deus. Um calafrio passou por Spencer à medida que os campo-grandenses descreviam como até mesmo crianças eram iniciadas nisso. Reconheceu a tendência desses ensinos, e sem hesitar, alertou-os quanto aos seus perigos.

Recebi um áudio dessas interações, e apesar de eu ter um tio envolvido nesse movimento MASCC, decidi que nenhum laço terrenal iria me impedir de enfrentar esse monstro que espalhava suas garras rapidamente pelo Brasil e países vizinhos.

Influenciado pelo magnetismo de Manassés Queiroz, o pastor Fernando Iglesias se afiliara ao movimento; e num treinamento de líderes no Paraná ele proferiu uma bênção sobre Alcênio, com imposição de mãos e tudo.

Estava pavimentado o caminho de expansão do MASCC, que comia pelas beiradas. Fazia encontros light para membros de igreja, e outros encontros só para insiders, pessoas treinadas, onde poderiam ir mais longe, sem a possível contaminação dos ‘incrédulos’. Tive o pesadelo de participar de uma das suas reuniões fechadas. Fui convidado por meu tio. Antes de qualquer coisa, ele foi claro comigo: eu não poderia falar de doutrina com qualquer pessoa durante o evento.

Temeroso por ser influenciado de alguma maneira, não pratiquei nada do que me instruíam. Na hora dos testemunhos finais, rolaram lágrimas e descrições de como eles sentiam calafrios e arrepios. Alcênio costumava lavar as mãos dizendo que isso era experiência pessoal. Para mentes cansadas do formalismo seco, era algo deveras atraente, supostamente pura comunhão com Jesus. Nenhum dos participantes aparentou perceber o perigo que pairava nos ensinos do Momentos a Sós. O anjo de luz no qual o enganador se vestiu tinha vocabulário adventista e roupagens belíssimas, para seduzir se possível os próprios eleitos. “Agora, o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos sedutores e a doutrinas de demônios” (1 Timóteo 4:1). Note que não diz que se apostatarão da igreja, mas da verdadeira fé.

Todo o áudio está gravado e comentado por mim em congressomv.org/mascc Decidi deixar tudo registrado para que o público que desejar averiguar, possa provar por si mesmo se procede de Deus ou não, conforme 1 João 4:1.

Saí dali mais determinado do que nunca a desmascarar o pretensioso sofisma. Ele tinha a elevada pretensão de reeducar os adventistas a orar e a ouvir a voz de Deus. A princípio o apelo era para ouvir Sua voz na Bíblia, mas nitidamente a indução era para ir um passo além. Buscar algo sensorial, seja em sentimentos, impressões, ou algum lampejo. Porque afinal, segundo eles, a Bíblia era um mal necessário, dado por causa da incredulidade e indiferença do povo de Deus. O plano A era a comunicação direta.

Em setembro de 2015, Fernando Iglesias fez uma semana de oração no UNASP-SP, intitulada Indispensável. Um nome deveras pretensioso. Nele, o pregador cheio de carisma e técnicas psicológicas que não sei onde aprendeu, replicou o seminário MASCC para a igreja inteira, com direito a vigília.

Cheguei a confrontar os três (Alcênio, Iglesias e Stina) com seus respectivos erros, mas de nada adiantou. Acharam que eu estava vendo pelo em ovo, forçando a barra, enxergando coisas… Tal é o poder do engano. Na verdade, nem teria sido um dever confrontá-los pessoalmente antes, pois a instrução é para fazê-lo publicamente (1 Timóteo 5:20), com tanto alcance quanto o engano. Assim diz o Senhor: “Caso só o que procede mal fosse atingido, e a obra não alcançasse mais longe, ele somente receberia as palavras de advertência; quando, porém, sua maneira de agir está trazendo positivo dano à causa da verdade, e almas estão sendo postas em risco, Deus requer que a advertência seja tão ampla quanto o dano ocasionado” (Mensagens Escolhidas vol. 2, pág. 154).

Finalmente soltei o gato do saco, como diz o provérbio alemão; e realizei a palestra tirando a máscara desses movimentos. Ela foi filmada e está em congressomv.org/oracao-centrante-desmascarada Preciso alertar que este vídeo é só para “maiores de idade” na fé, adventistas que “têm estômago”. Ore pedindo a blindagem de Deus para que não seja contaminado pela exposição do erro.

Temos que pensar primeiramente em tudo o que é verdadeiro (Filipenses 4:8). Jesus não está em pessoa ao nosso lado quando oramos, como ensina Alcênio. “Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar em toda parte em pessoa. Era, portanto, do interesse deles que fosse para o Pai, e enviasse o Espírito como Seu sucessor na Terra” (O Desejado de Todas as Nações, pág. 473). Jesus está no santíssimo. Percebe como isso sorrateiramente mina a doutrina do santuário, como a heresia alfa?

Com a missão cumprida, voltei à reclusão das montanhas. Algumas semanas mais tarde, um pastor me comunicou que havia um livro da CPB que era altamente místico, chegando a citar a lectio divina. A saber, O Brilho da Vida, de Marcos de Benedicto. O pastor mencionado acima comentou: “agora entendo porque foi tão fácil o livro A Busca ser publicado pela editora”! Benedicto nesse ínterim fora promovido a redator-chefe da CPB. Isso me lembrou da promoção de Dybdahl a diretor de Walla-Walla, após seu envolvimento com a igreja emergente.

Alguns dias mais tarde fui ao UNASP-EC e comprei o último exemplar disponível na loja; e graças a uma interação infrutífera por e-mail que um irmão preocupado teve com o autor, pude ir direto às páginas problemáticas. Consciente que Ellen White relutou em ler The Living Temple de Kellogg, eu orava para que nenhum sentimento proibido se apegasse à minha alma, e pedia uma blindagem especial.

Fui ao Congresso MV regional de Santa Catarina com o coração na mão, mas determinado a enfrentar o erro, a plenos pulmões. O resultado foi a palestra Adventistas em Busca do Êxtase. Não vou aqui me delongar no conteúdo da palestra, até porque em se tratando de misticismo, o ideal é não repetir seus ensinamentos errôneos. Devo alertar que a gravação em congressomv.org/adventistas-em-busca-do-extase só recomendo para quem ora pedindo uma proteção especial.

A Sra. White adverte: “Ensinos espiritualistas que minam a fé em Deus e em Sua Palavra estão atualmente penetrando as instituições educativas e as igrejas por toda parte” (A Ciência do Bom Viver, pág. 428). Se isso era verdade nos dias do alfa, quanto mais hoje!

Busquei deixar evidentes as mandíbulas da ‘armadilha de Dybdahl’, a principal ponte entre o misticismo moderno e o adventismo. Ele bate muito na tecla da espiritualidade, do êxtase, das experiências. Faz uso abundante de raciocínio humano e autores de Babilônia (sim, que caiu. Será que ele está agindo de acordo com a segunda mensagem angélica?) Sugere orações com ritmos e repetições. Enumera muitos tipos de meditação, encorajando os leitores a escolherem uma dessas opções. Cita católicos, místicos, ecumênicos, enfim, toda a catástrofe, como diz Walter Veith. Nele se acham escondidos os elementos de uma incomparável crise doutrinária em potencial. Seja sob o nome de formação espiritual, espiritualidade bíblica, ou mesmo sob os elásticos termos de discipulado e meditação, o misticismo tem a flexibilidade do camaleão, mas assim como Roma, abriga o invariável veneno da serpente.

Se a igreja não enfrentar o iceberg de frente, o que infelizmente é improvável, mais vídeos devem ser publicados e postados em congressomv.org/tag/igreja-emergente Não creia que me deleito em fazer isso. Isso tem abatido meus ânimos, e preciso manter o norte espiritual com livros como o Caminho a Cristo e oração mais abundante. Mas sou impelido a fazê-lo, sobre mim e sobre cada atalaia pesa a responsabilidade de Fineias, de apaziguar a ira de um Deus santo, para que Ele não rejeite a IASD que Ele fundou.

A pergunta que se precipita: é esse de fato o ômega? Quero aqui citar Dave Fiedler: “eu jamais subestimaria a capacidade do diabo de piorar ainda mais a situação” (O Trono de Satanás, congressomv.org/omega-emerging).

Na traiçoeira areia movediça dos enganos finais, um update das definições de vírus é imprescindível. Para isso, dependo da orientação divina e de pistas de outros irmãos preocupados pelo Brasil e pelo mundo. Elas podem ser enviadas anonimamente, para qualquer meio descrito em congressomv.org/contato

Adolfo Suárez da Divisão Sul-Americana da IASD lançou uma apostila prevista para 2017, estilo quarenta madrugadas. Uma impressão limitada foi feita somente para os presidentes avaliarem, algumas capturas vazaram para mim. O grupo MASCC Nacional do WhatsApp celebrou a notícia com alegria evangélica: “Veja que Deus está no controle de tudo” “Ele dirige cada passo de Sua obra”, etc.

A apostila se chama Falar com Deus. Pode ser que o título acabe sendo diferente, pois uma marca registrada do movimento emergente são seus rótulos adaptáveis. Também pode ser que tirem expressões chocantes como “formação espiritual” etc., a exemplo de Kellogg, que mudou algumas palavras e o próprio título de Living Temple após sofrer a reprimenda de Ellen White. Mas ela mais tarde assegurou que essencialmente nada mudou. Preciso dizer porém que em comparação com outras instituições, a CPB está mais disposta a corrigir seus erros, Deus seja louvado por isso.

A velocidade em que esses últimos acontecimentos se têm precipitado um sobre o outro, me lembra da prontidão de Kellogg de rabiscar planos para o novo sanatório ainda dentro do trem, e da decisão de imprimir o Living Temple em outra gráfica, logo após o incêndio da Review.

O ômega seria da natureza mais assustadora. Inglês ‘most’. O que seria mais assustador do que se em vez de ser defendida pelo líder de um dos departamentos da igreja, Kellogg, fosse empunhada por sua liderança corporativa? Isso não quer dizer que haja apostasia da igreja, mas apostasia na igreja.

Todos sabemos que num iceberg a maior parte está submersa, invisível ao navegador. Mas emergindo por entre a névoa podemos cada vez mais reconhecer as feições de um recife vestido de branco, brilhante como um anjo de luz, calculista e frio como o gelo, imóvel como a rocha de Malta.

Em Portugal o livro missionário de 2016, Enfrentar a Dor, de Badenas, também está impregnado de conceitos místicos. Vozes preocupadas obviamente foram taxadas de alarmistas, e seus corajosos atalaias, de perturbadores de Israel. O livro foi uma obra preparada a pedido da organização, assim como o Primeiro Deus. E também como o Living Temple, que o então presidente da IASD propôs publicar a fim de angariar fundos para a reconstrução do sanatório.

Os elementos essenciais do alfa de Kellogg consistiam na confusão sobre a natureza de Deus, conceitos que W. A. Spicer viu refletido no hinduísmo na Índia, quando missionário lá. As conexões com filosofias orientais têm que ver com o pensamento dualista, com um ‘espírito’ falso. Isso envolve os aspectos carismático e contemplativo dos emergentes. A mensagem mais parecida com a genuína mensagem da justificação pela fé é a mensagem que envolve filosofia espiritualista, panteísta e mística. Isso não é reconhecido por muitos envolvidos em atividades emergentes. Isso não é reconhecido por muitos envolvidos em atividades emergentes. O Cavalo de Troia, hoje tão atrativo, algum dia vai ser identificado pela liderança como embuste diabólico, mas será tarde demais para conter as clamorosas vagas da religião sensorial.

O MASCC tem a ambição de ser abraçado pela igreja. Adilson de Moraes da DSA está implantando a prática entre os jovens na colportagem, outro paralelo com o alfa. Em Campo Grande, as fogueiras para os perfeccionistas já estão acesas. Precisamos nos entristecer, porque dizendo-se filhos de Abraão, seu espírito atesta de outra filiação, infernal e diabólica. A menos que se arrependam e larguem a tocha da falsa profecia, esses líderes serão os primeiros a sentirem o golpe da ira de Deus.

E nós precisamos nos policiar para não nos rebaixarmos às suspeitas e acusações pessoais, nem à violência verbal. Oremos para que Deus derrame sobre nós o espírito de graça e de súplicas, para que sejamos encontrados suspirando e gemendo pelas abominações que se cometem na igreja, como diz em Ezequiel 9:4. Em vez de termos a atitude de tubarões que cheiraram sangue, ‘YouTubando’ todas as falhas, possíveis conspirações e tropeçando em vídeos anti-trinitarianos, busquemos contemplar o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Sim, pecado, bem definido como transgressão da lei, e chamado pelo seu nome. Mas o foco deve continuar sendo o Cordeiro. Intercedamos pela instituição, como menciono em congressomv.org/oracao-intercessoria-corporativa, e também peçamos constantemente que não desenvolvamos qualquer raiz de amargura ou ressentimento em nosso coração.

Ai do remanescente, o esbravejar dos defensores do erro certamente irá se avolumar, pois é movido por aquele que desceu à Terra com grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta.

Não podemos nem devemos a esta altura criar uma nova organização. Enquanto permanecemos leais à igreja remanescente, busque cada um salvar o seu lar. Mude-se para as montanhas, sacuda de si a letargia de Ló; para longe do miasma urbano, do corre-corre acadêmico ou da segurança da carteira assinada! Se ainda der tempo, e com seu firme esforço, o caráter poderá ser transformado à semelhança de Cristo, acumulando assim azeite em suas vasilhas.

Mas possivelmente não vai mais dar tempo.

Como um Ciclone Devastador

O ano era 1914. Através da cidade de Battle Creek, de um brilho empoeirado no sol do inicio do verão, apenas recordações lembravam o que havia sido – o que poderia ter sido. Na esquina das avenidas Washington e Main havia poucos indícios de que a Review and Herald Publishing Company já tivesse existido lá, de que uma vez esse tivesse sido o local da Conferencia Geral. O Colégio de Battle Creek, reaberto com tão altas esperanças pelo Dr. Kellogg, estava fechado, um triste fracasso. Os adventistas eram em número comparativamente pequeno agora, e os veteranos podiam recordar o enxame de placas “Vende-se” que apareceram quando a colônia se dissolveu. “O mundo conhecerá a razão” advertira certa vez Ellen White, e agora D. M. Canright publicava uma nova edição de seu livro Seventh-Day Adventism Renounced – e inconscientemente assegurava o cumprimento daquela predição.

“Battle Creek, Michigan, fornece uma boa ilustração do fracasso do Adventismo após um julgamento justo. …Quando eu me retirei em 1887, havia quase dois mil observadores do sábado aqui, todos unidos. Muitas vezes preguei no grande tabernáculo quando todos os assentos, na parte de baixo e na galeria, estavam ocupados. No colégio lecionei para uma classe de aproximadamente duzentos alunos, todos moços e moças se preparando para trabalhar como ministros ou instrutores bíblicos. Agora, 1914, o colégio está fechado e perdido para a causa; o sanatório se rebelou contra a organização, e quase todos dentre a administração, médicos, enfermeiros e assistentes são observadores do domingo; as casas publicadoras foram completamente destruídas pelo fogo e os remanescentes se mudaram; a igreja decaiu para mais ou menos quatrocentos ou quinhentos membros; o tabernáculo está largamente vazio e é como um elefante em suas mãos. …grande número apostatou, perdeu a fé em tudo, e não frequentam nenhuma igreja. Foi como um ciclone devastador”. Canright, op. cit, pág. 411

Catorze anos haviam se passado desde aquela brilhante manhã de janeiro no raiar de um novo século, quando o mundo estava pronto e a mensagem do advento tinha uma chance de sair ao sol. Agora este dia estava terminado, e suas últimas sombras prestes a serem adensadas por um sérvio nacionalista de 19 anos de idade com uma pistola. Na cidade bosniana de Saravejo, um motorista confuso fez uma curva errada e dirigiu sua limusine aberta para uma rua movimentada. Atrás dele, abrigados do intenso sol de verão por um guarda-sol, estava sentado um régio casal cuja vida havia sido uma clássica história de amor e para quem este dia era o décimo quarto aniversário de casamento. Por um momento o motorista hesitou, e então tentou dar meia volta com o carro, e ao fazer isto, ressoaram dois tiros. O arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa tombaram no banco; e o longo dia da oportunidade estava terminado. Haviam sido disparados os primeiros tiros da Primeira Guerra Mundial. Daí em diante a igreja teria de trabalhar num mundo que se degradava em trevas.

Tantas luzes haviam se apagado. J. H. Kellogg, líder da obra médica, cujas despesas da escola médica onde estudara haviam sido parcialmente pagas por Tiago e Ellen White; Albion Ballenger, que havia decidido refazer a verdade do santuário usando tratados teológicos em vez do Espírito de Profecia; o pastor George Tenney, editor, ministro, missionário; o pastor L. McCoy, capelão do sanatório de Battle Creek – aos quais se juntaram, como depressa salienta Canright, “muitas pessoas em importantes posições como gerentes de negócios, professores de colégios, médicos, etc. Todos estes estão agora fora da igreja, e toda a sua influência é posta contra a comunidade adventista” (Idem, pág. 412). A perda havia sido abaladora; e agora, da mesma forma que a fumaça que ainda subia das cinzas do incêndio da Review and Herald, ela deixava uma persistente pergunta pendendo sobre a igreja: Como tal coisa podia acontecer? O que poderia produzir tal maciça apostasia entre as mais brilhantes mentes da igreja?

A resposta era vexantemente simples, e, curiosamente, era uma resposta que a igreja tinha em mãos o tempo todo. Nos ainda pacíficos dias de 1898, Ellen White havia avisado claramente o que poderia acontecer. “Nunca haverá um tempo na história da igreja quando o obreiro de Deus poderá cruzar as mãos e descansar, dizendo ‘Tudo é paz e segurança’. Então é que vem repentina destruição. Tudo pode avançar por entre aparente prosperidade; mas Satanás está bem acordado, e estudando e trocando ideias com seus anjos sobre outro modo de ataque onde possa ser vitorioso. A disputa se tornará cada vez mais feroz por parte de Satanás. …Dispor-se-ão mente contra mente, planos contra planos, princípios de origem celeste contra princípios satânicos. A verdade em seus vários aspectos estará em conflito com o erro em suas crescentes e sempre variadas formas, as quais, se possível, enganarão os próprios escolhidos”. Special Testimonies, série A, n. 11, pág. 5

Aqui estava, se se tivesse o cuidado de pensar sobre isto, toda a história da crise, apresentada cinco anos antes de o livro de Kellogg ser publicado. O próprio Satanás estava dirigindo este ataque; o comandante chefe das forças das trevas havia tomado o campo. A batalha havia sido travada em um nível sobrenatural, no qual, sem a proteção especial de auxílio divino, mesmo as mais brilhantes mentes seriam espalhadas como folhas diante de um vento outonal. Kellogg, Ballenger, McCoy – todos haviam saído para enfrentar o inimigo após primeiramente decidirem substituir as advertências da mensageira de Deus por seu próprio julgamento, despojando-se assim da única defesa que realmente tinha importância. Em alguma parte no curso dos eventos eles haviam se tornado letalmente seguros de que estavam certos, de que era tempo de escapar de “uma comunidade morta de profecias mortas”, e agora, ao se dispersarem do adventismo, fizeram-no com piedosas orações para que Deus abençoasse a sua saída.

E através do vale do tempo ecoavam as palavras de Ellen White, já dadas em 1903, palavras pronunciadas antes que fosse tarde demais para a maioria deles: “Satanás tem nos homens seus aliados. E anjos maus em forma humana aparecerão aos homens, e apresentarão diante deles imagens tão fulgurantes do que eles serão capazes de fazer se tão somente lhes ouvirem as sugestões, que amiúde trocarão seu arrependimento por desafio. … O pecado enegreceu as faculdades racionais, e o inferno está triunfando. Oh, não cessarão os homens de confiar em seres humanos?” Idem, série B, n. 7, págs. 21, 22

Anjos do mal em forma humana. Não havia qualquer esperança de sobreviver a tal desafio apenas com a força humana. A humanidade não teve qualquer resposta à lógica da mente de um anjo, onde memórias do paraíso se torceram loucamente para um engano tão poderoso que um terço das forças do céu a princípio tinha sido incapaz de reconhecê-lo. Nenhuma quantidade de educação ou experiência habilitariam um homem a enfrentar uma armadilha como esta, e John Kellogg, pelo menos, havia se dirigido diretamente para ela, enquanto soavam sinos e brilhavam luzes de advertência das páginas de Ellen White.

Uma noite no início do verão de 1904 Ellen White havia visto uma reunião em andamento em Battle Creek. Um significativo número de médicos e ministros estava presente, ouvindo o Dr. Kellogg expor suas ideias de que Deus está em tudo, ignorando que estavam sendo sobrenaturalmente observados. A Sra. White notou particularmente o “semblante satisfeito, interessado, dos ouvintes”, e então seu acompanhante celestial se voltou para ela com uma mensagem estarrecedora. “Anjos maus tomaram posse da mente do orador”, disse Ele, e prosseguiu advertindo que “tão seguramente como os anjos que caíram foram seduzidos e enganados por Satanás, assim também o orador estava sob a educação espiritualística dos anjos maus.”

“Fiquei assombrada ao ver com que entusiasmo os sofismas e teorias enganadoras foram recebidos”, relata a Sra. White, salientando que Kellogg, encorajado pelo sucesso em arrebatar ministros e médicos com ele, havia então convocado um concílio especial em Battle Creek para inculcar ainda mais suas ideias sobre a igreja organizada.” Idem, n. 6, pág. 41

“Jactai-vos de estardes agindo sob inspiração de divina promoção”, advertiu Ellen White ao povo de Battle Creek, “mas alguns estão seguindo a falsa inspiração que enganou os anjos nas cortes celestes” (Idem, série A, n. 12, pág. 1). Para Kellogg ela dirigiu a advertência de que ele estava sendo “hipnotizado” por Satanás (algo que ele ridicularizou como absurdo). Em outubro de 1905 ela avisou sobre “homens que adentraram o estudo da ciência que Satanás introduziu na guerra no céu” (Carta de Ellen White aos irmãos Daniells, Prescott, e seus associados, 30 de outubro de 1905, da coleção de J.H.N. Tindall). Em face de tais advertências Kellogg e seus seguidores haviam mergulhado para a frente, tendo a consciência aquietada pelas afirmações do médico de que os testemunhos de Ellen White nem sempre eram fidedignos. E assim eles chegaram, finalmente, ao trágico cumprimento de outra de suas predições: “Se deixados, anjos maus moldarão a mente dos homens até que não mais tenham mente ou vontade próprias. … Assim será com os médicos ou ministros que continuarem a se vincular com aquele que tem tido luz, que tem recebido advertências, mas não lhes tem dado ouvidos”. Special Testimonies, série B, n. 6, págs. 42,43

A mesma triste lição havia sido ilustrada na vida de Albion Ballenger. Uma noite durante uma reunião evangelística em Londres, ele havia tentado apresentar o assunto do santuário. Terrivelmente desencorajado pela maneira na qual havia pregado, tomou a resolução de que “nunca mais pregaria novamente até eu saber o que estou pregando”. E então ele havia cometido em engano fatal. “Não vou obtê-lo de nossos livros” declarou ele, “se nossos irmãos puderam obtê-lo das fontes originais, por que é que eu não posso?”. O pastor Ballenger estava cometendo o mesmo erro já cometido pelo Dr. Kellogg: A pressuposição de que não havia nada realmente envolvido aqui exceto o raciocínio humano, no qual a pesquisa de um homem é tão boa quanto à de outro. Afinal, não podemos examinar tudo e reter o bom? “Irei aos livros ou comentários e todas essas várias fontes das quais o pastor Urias Smith obteve luz sobre o assunto”, ele anunciou, e assim dizendo prontamente caminhou diretamente para fora, nas trevas. Pois a doutrina Adventista do santuário não podia ser achada nos “livros ou comentários” – não podia ser encontrada em qualquer lugar exceto que proviesse da mesma fonte que foi procurada por aquele grupo de homens e mulheres de oração que haviam estudado através de noites frias de outono em 1844, e em cujo meio estava a mesma mensageira especial que agora advertira Ballenger a dar meia volta antes que fosse tarde demais. Ele também havia escolhido ignorar este apelo, e ele, como Kellogg, deixou a fé adventista para nunca mais voltar. Em Riverside, Califórnia (apenas algumas milhas distante da nova escola médica da igreja), ele passaria seus últimos dezesseis anos dizendo coisas sobre Ellen White que, debaixo de uma aparência de piedade, operava para atacar a credibilidade desta como mensageira do Senhor.

“Como um ciclone devastador”. Canright havia disto isto com relação à igreja de Deus, mas quão claramente estas palavras descrevem a vida daqueles que a deixaram. Toda uma galáxia de luzes adventistas havia se apagado, cada qual a seu próprio modo, e cada uma ligada às demais pela tragédia comum de rejeitar a mensageira de Deus.

Mil novecentos e catorze. O povo de Deus havia vivido por catorze anos na luz do último dia de verão da terra. Agora se enegrece o céu com as primeiras tempestades de outono. Através das vulneráveis planícies da Bélgica vem o estrondo de pesada artilharia se movendo, uma nuvem de poeira, uma linha infindável de uniformes cinza que identifica o Segundo Exército do General Karl von Bulow. Em Berlim tropas exuberantes desfilam pela última vez descendo as ruas de tijolos; uma jovem numa blusa branca de franjas entra em suas fileiras, entrelaça o braço no de um soldado, e marcha com eles. Poucos passos atrás, um negociante bem trajado faz o mesmo, carregando uma arma de soldado – faces sorridentes rumando cegamente para a terrível meia-noite de Marne e Verdun, para um pesadelo nunca dantes visto exceto por uma senhora miúda que, anos antes, havia pleiteado com sua igreja para que agissem. “Logo haverá morte e destruição, aumento de crime, e impiedade cruel operando contra os ricos que se têm exaltado sobre os pobres. Os que estão sem a proteção de Deus não encontrarão segurança em nenhum lugar ou posição. Agentes humanos estão sendo treinados e estão usando suas capacidades inventivas para colocar em operação a mais poderosa maquinaria para ferir e matar. … Que os recursos e os obreiros sejam espalhados”. Testemunhos para a Igreja, vol. 8, pág. 50

Em um momento houve sol, um momento áureo repleto de oportunidades para o povo de Deus, perdidos por causa de um astuto inimigo que teve sucesso em desviar a atenção deles da única mensagem que eles realmente tinham de dar.

E dessa tragédia emerge apenas uma pergunta que importa: Deixaremos que isso ocorra novamente?